por Jerusa Franco

Já pensou em passar dez dias em silêncio? A atriz Jerusa Franco fez isso em um retiro de meditação e conta como foi

No Reveillón deste ano, a atriz Jerusa Franco, 38 anos, fez um retiro de meditação em Miguel Pereira, na região serrana do Rio de Janeiro. Ficou dez dias sem falar, ler ou escrever. Meditou por quase 12 horas, todos os dias. Aprendeu a olhar para dentro.

Ensaiei quase 10 anos para tomar coragem de passar por essa experiência: ficar 10 dias sem falar, ler, fazer exercícios físicos, usar intoxicantes, ter qualquer atividade sexual. Já tinha estudado vários tipos de meditação (taoísta, indiana, ativa, passiva, além de ioga), mas em nenhuma delas senti algo além de uma sensação de relaxamento. Escolhi o período depois do Natal. Entrei no dia 26 de dezembro e só sairia de lá em 6 de janeiro, Dia de Reis. O Ano Novo seria em silêncio e sem comemoração.

O lugar é um sítio simples com muito verde. No dia zero, recebemos as informações e os horários das práticas: a rotina começaria na madrugada, às 4h30, e só acabaria às 22h, ou seja, seriam quase 12 horas de meditação diária. A alimentação é vegetariana e, para quem tem intolerância a lactose, vegana. Homens e mulheres ficam separados em alas e só se encontram no último dia, quando é permitido falar. (Quem vai a esse tipo de experiência já sabe que o mergulho é interior, mas sempre tem um desavisado que tenta puxar conversa. No geral, são pessoas que acabam desistindo).

Minha excitação era tanta que a novidade quase não me deixou dormir. No primeiro dia, embaixo de um céu estrelado, assim que ouvi o sino que sinaliza o começo da prática saí correndo e fui a primeira a chegar. 

"Quem vai a esse tipo de experiência já sabe que o mergulho é interior, mas sempre tem um desavisado que tenta puxar conversa. No geral, são pessoas que acabam desistindo"

Nos três primeiros dias, aprendemos um exercício de concentração. Como silenciar a mente de todos os pensamentos que não nos deixam em paz e que, sem percebermos, nos levam à exaustão? Parecia impossível, e só consegui no final do terceiro dia. Depois de passar obsessivamente por todas as minhas novelas pessoais, emocionais, minha cabeça parou, meu corpo relaxou e só me dei conta que tinha conseguido quando ouvi o sino que sinaliza que a meditação tinha acabado.

No quarto dia, aprende-se a meditação Vipassana, que significa “Insight”. Ao mesmo tempo em que é um exercício antigo – o mesmo usado por Buda – achei extremamente moderno. Trata-se de escanear o seu corpo e identificar as sensações. Uma vez que elas se revelam, o indicado é somente observar, sem nenhum julgamento, até que elas se dissolvam. O exercício pode ser frustrante e até exaustivo, pois daí pra frente a catarse começa. Fui obrigada a me deparar com minhas verdades e minhas mentiras (as mais difíceis de aceitar).

Fui totalmente CDF. Não olhei para o lado. A sensação que mais tive foi de calor (dizem que pessoas com muita paixão sentem muito calor). Suei litros. Via algumas pessoas de casaco e eu ali suando, com minhas roupas e meu lugar de meditação totalmente molhado. E assim se passaram mais três dias. No sétimo dia, acordei surtando. Sentia dores no corpo, comecei a achar que tudo aquilo era ridículo e marquei um horário com a professora (sim, se tiver alguma dúvida, você pode agendar uma conversa com ela). Perguntei no que esse método de observação das sensações poderia me ajudar. “Sou atriz e trabalho investigando as emoções, os sentimentos. Hoje acordei e não consigo me concentrar em nada. Só consigo críticar e pensar: 'Por que não estou me divertindo na praia?'”. Pacientemente ela me disse que a prática enfraqueceria meu inconsciente e todas essas críticas e inseguranças e fortaleceria minha consciência, me deixando mais focada no que realmente importa. O famoso aqui e agora.

"As descobertas foram reveladoras e a vontade de me aprofundar foi cada vez maior. Aprendemos desde pequenos a olhar pra fora, mas ninguém nos ensina a olhar para dentro."

Os últimos três dias passaram voando. As descobertas foram reveladoras e a vontade de me aprofundar foi cada vez maior. Aprendemos desde pequenos a olhar pra fora, mas ninguém nos ensina a olhar para dentro. A sensação de liberdade é fantástica. Dói muito, mas vale cada segundo investido em si mesma. É ótimo poder reestartar seu HD.

Ficar sem falar foi fácil. Difícil é ficar consigo mesmo e todos os seus demônios. 

Vai lá: dhamma.org

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