Os refugiados que decidiram dar algo bom para Berlim

por Nina Lemos

O sírios Samir e Nafe escreveram em uma comunidade do Facebook que queriam ajudar os berliners que os receberam bem. Agora, ficaram “famosos”, fizeram amigos e trabalham sem parar

“Ei, berliners,

Eu e meu amigo Nafe somos refugiados da síria vivendo em Berlim. E, como nossos papéis vão levar um tempo para ficar prontos e não podemos trabalhar, a gente tem um monte de tempo livre. Então, queremos dizer para esse grupo que estamos totalmente prontos para usar nosso tempo livre como voluntários dando alguma coisa em troca para essa cidade linda que nos deu um dia de sol de liberdade e segurança.

Então, se você está precisando de qualquer tipo de ajuda para mudar suas coisas, pintar suas paredes, limpar sua base, nós estamos aqui. Tem problemas com matemática e física ou química? Somos estudantes de engenharia e estamos aqui. Estamos aqui também se você quer fazer uma jam, tocar música. A gente pode tocar junto. Nós tocamos guitarra e piano. E, mesmo se você quiser só tomar uma cerveja e trocar algumas histórias, com certeza estaremos lá. Por favor, sinta-se livre para nos seguir ou nos adicionar para ler mais sobre nossa vida em Berlim como refugiados. Mande uma mensagem inbox se você precisa se alguma ajuda. Nós sempre estaremos aqui. Nosso tempo vai ser de vocês. Saudações, Samir”.

Essa mensagem foi publicada na comunidade do Facebook “Free your Stuff Berlin”, onde, basicamente, pessoas oferecem coisas de graça, como armários que precisam se desfazer, roupas que não usam mais e por aí vai. Em uma hora, o post já tinha mais de 500 comentários como: “Essa é a melhor mensagem que já li na minha vida” e “Ei, vocês não querem sair com a gente?”. Hoje, já são mais de 10 mil compartilhamentos e outros mais de 10 mil comentários.

Desde que escreveram a mensagem, Samir and Nafe, os dois de 19 anos, virariam espécie de celebridades em Berlim. Já deram entrevistas para a BBC (que deslocou uma equipe de Londres só para entrevistá-los) e para a Al Jazeera. Escrevi para eles na hora em que o post na comunidade pulou no meu computador. Marcamos um café para a mesma semana. Nossa entrevista foi desmarcada por causa do encontro deles com a BBC. Mas, uma semana depois, nos encontramos.

Samir e Nafe são dois adolescentes lindos, engraçados, cheios de humor. "Não somos pop star, somos rock stars", brincam, comentando a fama instantânea. Depois da mensagem no Facebook, passaram a ter um cotidiano lotado. Saem de casa sete da manhã para ajudar pessoas. “Já carregamos livros, demos muitas aulas de matemática e física, carregamos coisas de mudança, pintamos paredes e, claro, demos muitas entrevistas. Muitas pessoas que nos escrevem querem o mesmo que você”, diz Samir, o mais falante da dupla. Voltam para casa lá pelas duas da manhã. No dia em que nos encontramos, eles iriam em seguida encontrar um grupo que estava fazendo um filme. “Na verdade, não sabemos o que vamos fazer lá. Se vamos atuar, ajudar na produção. Vamos lá para ver”. E depois, mais trabalho? Eles riem. “Não, pô, hoje é sexta feira. A gente vai para um bar ou para um clube, claro”.

Os dois se conheceram na escola, no segundo grau, em Damasco, capital da Síria. Fizeram a mesma universidade. São melhores amigos. Em outubro de 2015, decidiram ir embora. “Nossa faculdade tinha sido bombardeada. Não tinha luz. Não tinha água. Não nos sentíamos seguros nem livres. Teríamos que ir para o exército e, no exercito, em uma Guerra, seria para matar. E não saberíamos nem quem estaríamos matando. Ninguém sabe de verdade o que está acontecendo na Síria. Nem quem está lá. A imprensa é completamente manipulada. Somos jovens, cheios de energia, achamos que merecíamos um futuro”, contam. Tiveram apoio dos pais. O de Samir é engenheiro, o de Nafe, diretor de cinema.

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A jornada
Os dois tiveram muita sorte na jornada (a história dos meninos é cheia dessas ajudas do destino), que só durou seis dias (a de alguns leva meses) e foi feita junto com um grupo de conhecidos. Passaram pela Turquia, Hungria, Grécia e Austria, até chegar na Alemanha. O trajeto foi feito de ónibus, a pé, de trem e de bote de plástico.

“A gente nunca tinha saído da Síria. Pegamos um ônibus em Damasco com outros amigos. Tínhamos um amigo que já morava na Turquia. Isso foi ótimo, tivemos um lugar para ficar. O trajeto de barco, daqueles mesmo, lotados, que a gente vê em fotos super lotados de gente foi a parte mais 'emocionante'", lembram. "Foi muito assustador. A viagem dura umas seis horas. Fomos sentados na parte de trás do barco, que é a menos perigosa, porque a onda bate na frente. Eu estava apavorado, não é legal, é horrível”, diz Samir. “Não, eu não estava com medo, estava mais 'uou, que aventura'”, conta Nefe, com um sorriso de criança no rosto. No fim, o barco naufragou perto da praia e foi salvo por outro, da marinha grega. De novo, tiveram sorte: “fomos muito bem tratados, não dá para reclamar”.

Ao chegarem, passaram um mês vivendo em um abrigo de refugiados perto de Berlim “Era muito ruim, porque você não tem nenhuma privacidade, imagina, é como dividir casa com duas mil pessoas”, conta Samir sobre mais essa sorte. Um conhecido já morava em Berlim com um filho e os dois foram morar com ele. Ajudam a cuidar de um menino de sete anos. “Sabe aquele seriado 2 and half man, com a gente é 3 and half man”, brinca Nefe. Agora, querem voltar a estudar engenharia, arranjar outro lugar para morar, aprender alemão.

Em um tablet, eles mostram fotos da vida que levavam na Síria antes da guerra. Estão arrumados, de terno. Hoje, estão mais “berliners”. "Aqui ninguém anda arrumado, é mais livre, demos muita sorte, olha só, acho que viemos parar no lugar mais legal da Europa!”, diz Samir. Antes de seguir (para o set de filmagem onde vão fazer ainda não sabem o quê) eles dão um abraço forte, riem mais um pouco e prometem aparecer para outro café.

E garantem que sim, ligam para as mães, em Damasco, todos os dias. “A minha mãe às vezes exagera, me manda mensagem de Whatsapp a cada minuto”, brinca Samir. Pelos próximos meses, a agenda dos dois continua lotada.

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