"A ciência só tem a ganhar com diversidade"

por Bruna Bittencourt

Fernanda Werneck conciliou a maternidade com a ciência e enfrentou a desconfiança dos colegas antes de se tornar uma pesquisadora premiada

Depois de driblar vários obstáculos em seus quase 20 anos de carreira, Fernanda Werneck ganhou no ano passado o Para Mulheres na Ciência, prêmio concedido pela L'Oréal, Unesco e Academia Brasileira de Ciências. Entre as sete vencedoras de diferentes campos da ciência, foi a única convidada a concorrer na versão internacional da premiação, o Rising Talents. Em março, foi uma das 15 cientistas em ascensão do mundo a receber a honraria em Paris. "É um prêmio reconhecido na comunidade científica e fora dela", conta ela de Manaus, onde mora e trabalha no Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa).

Fernanda, 35, vem se dedicando desde sua graduação ao estudo da fauna de anfíbios e répteis da Amazônia e do Cerrado, em especial no encontro desses dois biomas que, explica, são negligenciadas tanto no estudo quanto na preservação. "O prêmio me deu visibilidade para falar tanto da minha pesquisa quanto da mulher na ciência." E este é um tema que ela fala com propriedade.

A trajetória da cientista começa na capital federal, onde estudou Ciências Biológicas —  sua matéria favorita desde o ensino fundamental — , na Universidade de Brasília (UNB). Logo que entrou na faculdade, pediu um estágio em um grupo de pesquisa de anfíbios e répteis, mas ouviu que teria que cursar algumas matérias antes. Esperou mais um semestre, insistiu e abriram a vaga para ela em 1999.

Quando terminou a graduação, em 2003, seguiu direto para o mestrado em Ecologia pela mesma universidade. Como era uma aluna de destaque, se formou com bolsa. "Sou um produto do investimento em longo prazo, o que é muito importante falar agora quando há tantos cortes nos meios científico e acadêmico, em todos os tipos de bolsa. Uma carreira bem-sucedida não é meteórica."

Na metade do mestrado, teve sua primeira filha. "Conciliar a carreira acadêmica com a maternidade é muito difícil", afirma. Na época, o marido, que também é pesquisador, fazia seu mestrado na Amazônia, mas o casal seguiu junto. Mulheres bem-sucedidas na ciência, conta, costumam ser casadas com cientistas, que compreendem a carreira.

Fernanda enfrentou outras intempéries durante o mestrado. Disseram a ela que seu projeto era muito audacioso e que não conseguiria completar no mestrado. "Na época, nem grávida estava. Consegui concluir, sem prazo adicional, e publicar meus artigos, o que é bem raro de se fazer até a defesa do mestrado." Na apresentação da tese, foi mais uma vez questionada. "Acharam que não poderia ter feito aquilo sozinha porque estava muito bom", lembra. "Na época, não pensava que era machismo, era muito inexperiente. Hoje, porém, acho que dificilmente um colega teria ouvido o que escutei. É algo sutil: a pessoa não acha que está falando isso porque você é uma mulher, mas acredita que é impossível ter feito aquilo."

A pesquisadora não se deixou abater, mas explica que são graças a episódios como esse que as mulheres vão ficando para trás na ciência. "Isso é mais acentuado com a progressão na carreira. Muitas abdicam de ter filho ou acabam se contentando com uma posição boa, mas que não era o que queriam, para conciliar com a família, não progredindo o tanto quanto poderiam." Fernanda ilustra a situação com números: na sua área, 30% são mulheres e 70%, homens. Na matemática e na física, as porcentagens são ainda mais desanimadoras. Só 3% dos prêmios Nobel foram concedidos a elas. E as taxas de aprovação para financiamentos são menores para projetos aplicados por mulheres.

A cientista aponta caminhos: "Há várias ações simples que já são implementadas no mundo, mas não no Brasil." Algumas bolsas europeias, por exemplo, levam em consideração a maternidade. Se uma cientista foi mãe duas vezes no período, por exemplo, ganha dois anos adicionais. "Não é uma cota, é uma correção de oportunidades, mas que ainda encontra resistência. É lógico que o tempo que uma mulher dedica à família vai influir na sua produtividade", explica. Porém, há boas notícias: "Um estudo publicado no início do ano, em que vários países foram avaliados, mostrou que o Brasil apresentou um crescimento de mulheres em relação a artigos publicados."

Em 2007, Fernanda e o marido mudaram com a filha para os Estados Unidos para os dois fazerem um doutorado pleno na Brigham Young University (Utah). Ela estudou Biologia Integrativa. "Foi difícil, mas a gente se apoiava", conta. Seis anos depois, foi contratada pelo Inpa, em Manaus, se tornando a mais jovem pesquisadora da instituição.

A família está com ela em Manaus. O marido trabalha em um projeto sobre mamíferos como pós-doutorando, uma bolsa com prazo para acabar. "Estamos constantemente atrás de oportunidades. Quando se é um casal, os dois querem estar na mesma cidade. É muito difícil para quem tem o parceiro na academia. Na Europa, às vezes é possível a contratação casada."

No Inpa, Fernanda passou a estabelecer seus projetos. Hoje conta com um grupo de 15 alunos, da graduação ao doutorado. O prêmio que recebeu de R$ 50 mil a auxiliará em sua pesquisa (Determinantes da diversidade genética e evolução do ecótono Cerrado-Amazônia).

Seu dia a dia vai bem além do laboratório: ela se divide entre a parte administrativa do Inpa e a gestão científica e econômica de sua pesquisa. "Passo boa parte do tempo escrevendo projetos, temos que ir constantemente atrás de financiamento. Isso toma muito tempo do pesquisador." Também viaja para bancas e congressos  —  "meu marido fica com a nossa filha, hoje com 12 anos" — e tenta participar dos trabalhos em campo.

Fernanda conta que sente que a comunicação é mais fluida quando mulheres participam dos projetos em que colabora. "A ciência só tem a ganhar com diversidade. Dificilmente vamos descobrir algo novo em um projeto com pessoas que pensam igual. Há alunos e alunas no meu grupo de pesquisas."

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Imagem principal: Divulgação

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