por Rodrigo Grilo
Tpm #179

Depois de enfrentar o ambiente hostil de Brasília e os engravatados do CQC, Monica Iozzi resolveu ouvir suas verdades e encarar a carreira como atriz com coragem e sem esconder o que pensa

Monica Iozzi exibe as mãos, orgulhosa: faz três semanas que ela parou de roer as unhas. Também faz um ano, um mês e exatos dez dias que ela parou de fumar um maço de cigarros diariamente.

A atriz de 37 anos segue firme longe da nicotina, apesar do ritmo insano de trabalho. De segunda a sábado, ela grava A dona do pedaço, novela do horário nobre da Globo em que vive Kim, a assistente de uma influenciadora digital. A personagem, distante do humor escrachado pelo qual ficou conhecida, veio depois que ela recusou alguns papeis oferecidos pela emissora, onde foi comentarista do Big Brother e comandou o Vídeo show (e levou o Prêmio APCA de melhor apresentadora, em 2015).

“Nos últimos tempos, decidi não mais apresentar programas e fazer comédias. Comecei a me questionar se poderia criar algo novo, porque me via muito repetitiva. A Globo entendeu e passamos a pensar caminhos.” Vieram então participações nas minisséries dramáticas Carcereiros, em abril, e Assédio, em junho, além do filme inédito Mar de dentro, em que ela vive uma publicitária workaholic que se descobre em uma gravidez não planejada. “Tudo isso me deu um outro gás.” Em junho, ela também voltou ao cinema com Turma da Mônica - Laços, em que vive a mãe da famosa personagem de Mauricio de Sousa.

Faz dez anos que ela ingressou no CQC e enfrentou com o microfone em punho o ambiente masculino – e tantas vezes desconfortável – de Brasília. Em 2013, Monica decidiu deixar o programa para focar em sua vocação de atriz. Ela pode ter aposentado o terninho do CQC, mas não perdeu o engajamento político, que lhe fez pagar uma indenização ao ministro do STF Gilmar Mendes, em 2017 (“Faria tudo novamente”, diz). No time de atrizes da Globo, rejeita a ditadura de beleza que vigora entre elas, mas também se empodera: “Tô gata e sou gostosa”.

A seguir, ela se abre sem medo e fala com a mesma desenvoltura sobre a onda conservadora da extrema-direita ou da recém-adquirida loirice, passando por depressão e maternidade. Monica não é mulher de um gênero só.

Tpm. Faz dez anos que você superou 28 mil concorrentes e entrou para o time do CQC. Lembra disso?
Monica Iozzi. Esse foi o divisor de águas da minha vida. Na época, não conseguia mais me manter em São Paulo e havia retornado para a casa da minha mãe, em Ribeirão Preto [SP], para me reestruturar. Não queria abrir mão do meu sonho de ser atriz, para o qual estudei por muito tempo [Monica se formou em artes cênicas pela Unicamp]. Aí, surgiu o concurso para o CQC. Trabalhava em recepção de eventos e peguei meu terninho, consegui uma câmera e fui para a rua reproduzir quadros do CQC. Foi a produtora do programa quem me avisou pelo Messenger que eu havia passado no concurso. Achei que fosse trote e liguei na Band para saber se era verdade [risos]. Além de uma mudança muito brusca, eu não estava esperando por ela. Bom, uma vez ali, me diverti. Lembro o dia em que resolvi jogar o meu nome no Google. Aí, eu entendi! 

“Se eu ficar toda hora divulgando mais um absurdo que o Bolsonaro ou a maluca dos Direitos Humanos falaram, estou dando voz para eles ”
Monica Iozzi

Como você lida com as fofocas? Eu tô na mira da galera que faz fofoca talvez porque não me interesso em falar da minha vida pessoal. Não tenho nenhum interesse pela vida íntima dos artistas que admiro, por exemplo. Prefiro que me fotografem bêbada, tropeçando, a ter de mudar o meu jeito. Sou humana. Uma vez, quando eu estava no Vídeo show, decidi não ir à praia porque iriam tirar foto minha mergulhando. Aquilo me fez tão mal que prometi que não ia mais fazer isso. Quero poder ir à praia e tirar uma foto sem me preocupar com celulite, beijar um gatinho na balada – se estivesse solteira, deixemos isso claro [Monica namora o administrador de empresas Gabriel Moura] –, sair sem maquiagem. Quando publicam mentiras, se não é agressivo, dou risada. Na boa, as pessoas acreditam no que elas querem. Não adianta mudar a minha vida por causa de fofoca.   

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Você teve que pagar uma indenização a Gilmar Mendes, por danos morais, quando o criticou por conceder habeas corpus a Roger Abdelmassih. É caro demais ser uma ativista atuante nas redes sociais? Eu me comporto nas redes sociais do mesmo jeito que faria se tivesse uma profissão que não lidasse com o grande público. O olhar das pessoas muda um pouco quando você começa a trabalhar na TV e queria mudar o mínimo possível a minha rotina, o meu jeito de levar a vida, de me relacionar com as pessoas. E a forma de me apresentar nas redes sociais está ligada a isso. Não deixarei de defender uma causa, de falar o que acho importante, por ser uma pessoa que trabalha na TV. Faria tudo novamente [se referindo ao episódio de Gilmar Mendes]. A Nina Simone dizia que é dever do artista questionar o tempo em que vive. 

O que fez você sair do Facebook e do Twitter? Estava um pouco cansada, fiquei fora uns dez meses, foi muito bom. Até saiu em alguns lugares que foi por conta da história com o Gilmar Mendes, mas foi meses depois. Você percebe que fica três horas por dia nisso, não está produzindo nada. Mas, em relação às coisas que eu digo, não mudei nada, não. Estou tentando trabalhar um pouco mais pela via positiva, porque acho que, quando a gente fica falando só do que é errado, dos crimes, do absurdo, a gente acaba dando mais voz para esses discursos de ódio. Se eu ficar toda hora divulgando mais um absurdo que o Bolsonaro, que o ministro da Educação, que o ministro do Meio Ambiente, que a maluca dos Direitos Humanos falaram, estou dando voz para eles. Então, estou tentando enaltecer quem eu admiro. Se você olhar meu Instagram hoje, está mais esperançoso. 

O interesse por política e causas sociais eram pautas na sua casa? Meus pais sempre foram pessoas justas e generosas. Se vê coisa errada na rua, minha mãe se mete no imbróglio. Nunca esqueço o dia em que viajamos para a praia. Eu era pequena e o meu pai tinha uma Belina. Um guarda rodoviário parou a gente e pediu um cafezinho para não aplicar uma multa por excesso de velocidade. Meu pai falou: “Acho que não consigo ajudar o senhor não. Pode dar a multa.” Essas coisas moldam quem a gente é. Quando o meu pai morreu, havia muitas pessoas no velório dele que eu nunca tinha ouvido falar na vida. E cada uma me contava histórias do que ele fez por elas. 

Como foi a morte dele? Ele morreu em um acidente de trabalho. Quase nunca toco nesse assunto, não gosto da ideia de me vitimizar. Mas, apesar de não ser fácil, acho bom conversarmos sobre isso. Meu pai era eletricista e morreu eletrocutado. Nós o perdemos porque algo deu errado no seu ambiente de trabalho. É gigantesco o número de pessoas que morrem desse mesmo jeito. Atualmente, há uma medida provisória que pretende eximir a empresa de responsabilidade pelos acidentes com os funcionários no trajeto do serviço [a proposta foi retirada do texto da MP]. Estamos tendo muitos retrocessos e não existe mais nem o Ministério do Trabalho para a gente reclamar! A gente vive um momento no qual, se a gente não alertar, coisas do tipo vão acontecer cada vez mais.

Depois de perder o pai cedo, aos 16, como e quando trabalhou isso? É muito difícil, uma pancada, quando se perde alguém que saiu de casa para trabalhar e nunca mais voltou. A vida é o inesperado, né? Eu, minha mãe e minha irmã ficamos fora do eixo. Precisei crescer rapidamente. A gente precisava sobreviver, acudir a outra quando uma chorava desesperadamente. Minha irmã vendia fruta na faculdade. Eu trabalhei em eventos, vendi roupa em shopping. A minha mãe teve carrinho de cachorro-quente. Há coisas emergenciais e isso tem um preço: questões ficam sem tempo de serem elaboradas. Demorei muitos anos, mas muitos mesmo, para me curar da morte do meu pai. 

“É muito difícil, uma pancada, quando se perde alguém que saiu de casa para trabalhar e nunca mais voltou”
Monica Iozzi

Quanto tempo? Entendi como viver aquela tragédia uns dez anos depois. É interessante falar sobre isso porque tive depressão por muitos anos e em boa parte deles não sabia o que acontecia comigo. Fui me sentir melhor quando procurei profissionais competentes. 

Anos de terapia? Descobri o que se passava e encarei um tratamento. Mas só pude fazer isso depois que tive dinheiro. Fiz terapia com uma psicóloga de abordagem junguiana. Comecei em 2010 e tive alta no ano passado. Mas não deveria ter tido [risos]. Interessante pensar como a saúde mental é negligenciada, porque é muito cara. Penso em quem não tem informação e acesso a bons profissionais. 

Como aconteceu em Assédio, você é conduzida em A dona do pedaço por Amora Mautner. Como é uma direção feminina? É essencial que uma mulher esteja na direção em obras cujos temas para nós, mulheres, são mais doloridos, como assédio, maternidade, machismo e violência contra a mulher. Acho muito difícil um homem conseguir dirigir um trabalho sem ter tido o mínimo de acesso a essas dores. Mas tive a sorte de trabalhar com diretores muito bons. A minissérie Assédio [baseado nos crimes de Roger Abdelmassih] fala sobre estupro e é importante porque enaltece a força das mulheres que se uniram para denunciar o médico e fazê-lo pagar pelos crimes. Eu não conheço uma mulher que não foi assediada ou tenha sofrido machismo.

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Que tipo de assédio já sofreu? Todo mundo já sofreu assédio de alguma maneira, seja pelo colega de trabalho, que insistentemente dá em cima de você, seja pela pessoa que passa a mão em transporte público. E isso já aconteceu muito comigo, porque andava muito de trem quando morava em São Paulo. Todo mundo conhece uma mulher que já foi estuprada. Eu tenho três amigas próximas que foram. Sempre trabalhei em ambientes muito acolhedores até o dia em que fui para Brasília [por conta do CQC]. Lá, o ACM Neto foi pegando na minha cintura em uma entrevista. Com o tempo, o pessoal do Congresso foi percebendo que coisas assim não seriam mais possíveis. Mas, nos bastidores, havia gente que mandava recado, enviava presente, momentos nada agradáveis. Imagina: até 2016 não havia banheiro feminino [até então, as parlamentares usaram o banheiro do restaurante anexo ao Plenário]! É uma boa referência para quem quer imaginar como a mulher é tratada naquele ambiente. 

Seu novo filme, Mar de dentro, fez você refletir sobre maternidade? Um pouco, porque nunca soube direito se queria ou não ser mãe, ainda não é muito claro para mim. Acho que posso mudar de ideia amanhã, mas a grande questão é que estou com 37 anos, sei que não é mais aquela coisa de quando tinha 20 anos, que, se resolver, vou ter. Então, estou pensando. Talvez, na hora em que acabar a novela, congele meus óvulos. Talvez não precise ser mãe biológica ou talvez, simplesmente, eu não seja. Acho que filho é uma coisa muito importante para você simplesmente falar “está dando a hora, preciso ter”. Se sentir que não está rolando uma vontade muito genuína, não vou ter e tudo bem. 

E as reações a esse seu loiro platinado? Achei a Kim tão diferente de mim que pedi para a Amora Mautner deixar eu platinar o cabelo para ter outra cara. Nunca havia pensado em fazer isso na vida. Sinto que, quando passeio com o meu cachorro, olham mais para mim. Aumentou o número de pessoas – principalmente homens – olhando, fazendo gracejos. O meu loiro é gritante e eu sou uma mulher grande. Mas talvez no meu caso as pessoas olhem com um pouco de medo, porque, quando não estou trabalhando, não faço nada [no cabelo], vou à padaria parecendo o Ovelha – lembra do roqueiro da década de 80? Acho que a gente tem uma certa fixação nesse lance ariano no Brasil. O dia em que fui ao salão, era a única morena e estava lá para ficar loira. 

Quais cuidados tem com o corpo? Eu me acho linda! Eu me acho linda!

Pô, tá bem claro agora. Eu acho que sou muito linda [risos]. É verdade! Desde a adolescência, a gente é cobrada por todos os lados. Quem é a menina mais paquerada da escola? Quem está fazendo sucesso? Não era caso de sofrimento, mas nunca fiquei feliz com a minha aparência. Passei a entender que poderia ser bonita do meu jeito lá pelos 17, 18 anos. De lá para cá, entendi que o meu rosto é este e é com ele que vou lidar. Gosto dele e não vou permitir que alguém me diga o contrário. 

Você já considerou intervenções cirúrgicas? Sinto falta de me exercitar mais e não apenas por causa da parte estética, porque depois dos 35 tudo cai. Tu-do cai! Mas, ó, eu lido muito bem comigo. Eu me acho gata! Acho mesmo... Tô gata e sou gostosa! O público tem de saber! E isso vale para todas nós, porque é importante começarmos a exercitar o discurso. A gente fala tanto de empoderamento e, para nós, que estamos na frente das câmeras, tudo isso é tão mais pesado, sabe? Claro que eu poderia recorrer a um monte de coisa e estar próxima de um padrão, mas não quero entrar nessa. Não é porque estou na televisão que preciso ter todos os músculos definidos. Admiro quem tem, mas tenho preguiça. Prefiro jogar videogame. Posso mudar de opinião daqui um ano? Posso. Gosto dessa sensação de liberdade.

Créditos

Imagem principal: Alex Batista

Produção executiva: Adriana Verani | Estilo: Drica Cruz | Beleza: Helder Rodrigues (Capa MGT) | Com produtos Guerlain e Bumble and Bumble | Assistente de beleza: Fernanda Verzini | Assistente de foto: Wallace Costa | Tratamento de imagem: RG Imagem | Monica veste camiseta Zara e calça Tig

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