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Velejar é preciso

por Felipe Maia

Há quatro anos Adriano Plotzki aprendeu a velejar. Desde então, não parou mais de navegar. Agora ele mostra histórias do mar pelo Youtube.

Para Adriano Plotzki, todos que navegam no mar estão no mesmo nível. “Eu converso com donos de barcos caros do mesmo jeito com que converso com donos de barcos baratos”, diz o publicitário e velejador por trás do projeto Hastag Sal, uma websérie que retrata personagens cujas vidas estão intimamente conectadas ao mar.

Até 2010, Plotzki, 32 anos, nem se imaginava nesse ambiente. Foi durante um mergulho que ele pensou em navegar. “Vi uma galera fazendo churrasco entre veleiros e falei: quero fazer churrasco aqui, no meio da água”, diz. Em pouco tempo a grelha deu lugar a grilhões e outros equipamentos náuticos.

Com seu atual barco, o Brutus, Plotzki decidiu registrar as histórias que correm no boca a boca do mar. Aquele casal que largou a vida na Oscar Freire para morar num barco ancorado ou aquela família que vive isolada numa praia onde já habitaram milhares de pessoas. “O foco não é só mostrar as histórias, mas mudar o olhar que a gente dá pra cada coisa”, afirma Plotzki.

Junto do amigo Ernani Oliveira, o publicitário vem gravando, desde novembro de 2013, episódios para o projeto. A cada semana um novo vídeo estreia no seu canal do YouTube sob o título Hashtag Sal ou Histórias do Mar. Abaixo, Plotzki conta como começou a velejar, quais os planos do projeto e afirma: a vela é um estilo de vida bem mais acessível do que parece.

Trip: Exatamente agora você está em em terra ou no mar? Adriano: Estou em terra! Eu moro oito dias por mês no barco. Os outros dias eu moro em São Paulo.

Como você começou a se aventurar pelo mar? Eu estava nadando com minha mulher na Ilha Grande entre veleiros e vi uma galera fazendo churrasco entre veleiros. Aí eu falei: quero fazer churrasco aqui, no meio da água. Aí me interessei por vela. Comecei a procurar aula de vela, comecei a ver se era caro e descobri que velejar é muito mais legal que fazer churrasco. Nessa época eu conheci o Paulo Pera, bicampeão mundial de vela, fiz aula na escola dele e comecei a velejar na represa Gaurapiranga com um laser. Um barco laser você compra usado por R$ 1.500. Eu ia para a Guarapiranga todo o sábado e todo o domingo e ficava seis horas na água. Depois comprei um barco de 16 pés depois. Ficava na represa e nos verões eu levava pro mar. Não era um barco que dava pra dormir. Há uns dois anos eu comprei o barco que tenho agora, o Brutus, e fui para o mar. Eu tenho uma produtora de vídeo e eu estou acostumado com equipes grandes e queria ver o que eu poderia fazer sozinho. Vejo que o futuro do conteúdo é isso: pouca gente. Vi que era legal ter mais alguém para entrevistar pessoas que vivem no mar. Não só aquelas que moram em veleiros -- isso é o principal --, mas as coisas que gente que vive no mar vê. O universo além da praia. Comecei a fazer os primeiros vídeos com o Ernani Oliveira, meu amigo, e notei que era difícil mostrar o dia-a-dia do barco. Para mostrar isso a gente teria que passar um bom tempo dentro do barco. A gente resolveu fazer isso com a gente mesmo!

Quando vocês começaram a gravar? Em novembro.

Você veleja há quatro anos, certo? Isso é muito tempo para a vela? Não é muito tempo. Eu gostei muito logo que comecei e velejei muito desde então. Com o Hashtag Sal eu não quero que as pessoas gostem da vela com admiração, como com o Amyr Klink que foi na Antártida. Eu não fiz nada de excepcional, mas quero que as pessoas se identifiquem. O que eu acho bacana é que a vela está ao alcance de todo mundo. Pouca gente sabe ou acha que o veleiro é uma coisa muito cara. Na França e nos Estados Unidos a vela é algo da classe média. Eu gosto de fazer, eu mesmo, a manutenção no meu barco. Eu tenho que procurar em blogs em inglês. Aqui a maioria chama profissionais para realizar reparos. Cuido de boa parte da manutenção.

Quais as dificuldades de gravar no mar? A gente fica no barco durante quatro noites: vai na quarta e volta no domingo. O difícil de gravar num barco e estar por você mesmo. Se faltar bateria, azar o seu. Você tem que se preparar muito bem antes. E isso vale para tudo, vale pra água doce, vale pra lixo, etc. Você tem que ser autossuficiente de verdade.

O seu amigo, o Ernani, ele velejava antes? Não. Ele não sabe nem nadar!

Como você arrastou o Ernani pra essa?! Ele gostou pra caramba da ideia! Ele gosta de estar no barco. Ele odeia praia, mas dentro do barco ele fica bem. Quando a gente estava saindo de Parnaióca [praia onde foi gravado um dos episódios], o mar estava em ressaca. Pra sair não tinha como ir no bote, ele virava nas ondas. Eu estava dando carona pra uma dupla de europeus e a gente teve de ir nadando. Amarramos as coisas no bote e fomos levando ele. Caí três vezes e pra pegar o Ernani foi complicado. Voltei com dois coletes salva-vidas comigo, amarrei ele e puxei ele pela mão.

Quais são seus planos com o projeto? Esse projeto começou apenas com entrevistas e eu queria fazer um documentário. Mas eu vi que se fosse pra internet isso ia atingir muito mais gente. Não ia participar de festivais, mas me daria uma satisfação muito maior. Não vejo fim para o projeto. No momento, procuro patrocínio para sair da região onde estou. Como tenho outros trabalhos na capital, eu só consigo fazer as filmagens no litoral norte de São Paulo e no sul do Rio de Janeiro. Estou tentando patrocínio para cobrir a costa brasileira onde deve haver muitas histórias. O foco não é só mostrar as histórias, mas mudar o olhar que a gente dá pra cada coisa. Nosso foco não está numa grande travessia. Está nas coisas que não são vistas pelas pessoas que passam todos os dias ali de barco. Pessoas que moram ali por perto, esse tipo de coisa. Estou pensando em outros projetos também. Uma blogueira de gastronomia faz alguns pratos no barco e a gente pensou no projeto Hashtag Flor de Sal, com um conteúdo a mais e voltado para culinária.

Como você encontrou essas histórias? Dentro do universo náutico tem muitas histórias, mas é tudo muito fechado entre eles. Parece interior onde as pessoas se cumprimentam e contam causos. Existem muitas histórias. Eu tenho um arquivo de histórias e um planejamento geográfico de como vou chegar até elas. Como a gente vai velejando, demora chegar aos lugares. São amigos velejadores que me contam, pessoas que eu entrevisto falam de outras pessoas e o arquivo vai expandido desse jeito. Os roteiros eu escrevo no iPhone enquanto estou velejando.

É tudo bem livre, então. Bastante. O jeito que eu produzo aqui na minha produtora é muito amarrado porque é publicidade. Tem muita gente aprovando. O Sal foi uma grande experiência de ser uma coisa completamente solta. Claro, tem objetivos, tem uma pauta, mas o roteiro é feito durante as travessias.

Qual a rotina de vocês? Geralmente a gente dorme ancorado em algum lugar. Acordamos, tomamos café, damos uma olhada na previsão do tempo, preparamos o equipamento para gravar, levantamos âncora e subimos as velas. Nesse meio tempo que vamos de um lugar para o outro eu faço o roteiro e o Ernani faz imagens da gente velejando. Quando a gente chega perto de onde está o entrevistado a gente se comunica pelo rádio ou pelo celular. A gente tenta gravar toda essa chegada, quase como um reality show. A entrevista acontece como uma conversa. O fato de chegar só duas pessoas que também são velejadores cria uma proximidade que uma equipe de televisão não conseguiria. Depois da entrevista a gente dá uma relaxada, faz o jantar e dorme para começar o outro dia. A gente navega de noite, mas não dá pra gravar porque é muito escuro.

Já passou um perrengue muito grande? No capítulo 3 a gente estava descendo na ressaca da Parnaióca e o bote virou. Caiu equipamento e pra onde eu olhava eu não via. O maior desespero não era nem se afogar, mas erai perder equipamento. Depois encontrei os equipamentos embaixo do bote. A gente também já pegou vento de 80 km/h, uma velocidade alta. Mas tudo bem, dá um susto na hora e depois passa. Foi como um entrevistado disse: quem gosta, tem memória curta.

Quantos episódios serão feitos ao todo? Não pretendo parar. O projeto é dividido em dois quadros: o hashtag Sal, programa de aproximadamente dez minutos, e o Histórias do Mar, que são causos e histórias dos velejadores. Toda semana tem um vídeo novo. A gente não tem anúncio, mas o negócio tem crescido bastante. Tenho recebido e-mails de velejadores do país inteiro que mandam mensagens agradecendo. Existem bastante velejadores no Brasil, a vela é o esporte olímpico que mais trouxe medalhas pro Brasil (junto com a natação), mas ninguém fala dos velejadores. Quando você pensa em vela você imagina um cara num iate bebendo champanhe com um garço servindo. Isso não tem nada a ver com vela. Isso tem a ver com lancha. O velejador é um cara simples, é uma proposta ligada a natureza, é uma vida mais simples.

O que é a vela pra você? Vela é um esporte e atividade de lazer que anda na contramão do que temos hojes na ideia de virar herói em um minuto. Nada contra a moto aquática, mas, por exemplo, nela você aperta um botão e sai navegando. A vela, não. A vela você demora a aprender. Existe um tempo para começar a curtir, mas depois que você faz é apaixonante. Eu vou a cidades com mar e vejo o formato das ondas, de que lado vem o vento, pra que lado é o norte, enfim, a vela me deu uma noção da natureza, no sentido mais prático, muito grande. E é onde eu vejo as pessoas se comportarem do jeito mais simples possível. Existem barcos que, como o meu, custam R$ 60 mil, o preço de um carro, e existem barcos que custam dois milhões de reais. Eu converso com essas pessoas do mesmo jeito com que converso com as pessoas donas de barcos baratos. Isso é difícil ver na cidade. Quem quiser começar na vela pode comprar por R$ 1.500 um barco laser usado, o modelo de barco que o Robert Scheidt usa, e velejar na represa Guarapiranga. É o preço de uma bicicleta boa. Na Argentina já é assim. Os barcos não são coisas de milionários.

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