Tudo veio do nada

por Luiz Filipe Tavares

Chimpanzé Clube Trio corta amarras em disco improvisado e aproveita espaço no underground

A maré, enfim, está virando para as bandas 100% independentes do Brasil. A democratização do acesso real do público à internet, as maravilhas tecnológicas da comunicação nas redes sociais e iniciativas coletivas como o Circuito Fora do Eixo estão servindo de plataformas para colocar grandes bandas do nosso país em circulação, enquanto a tecnologia de gravação caseira vai ampliando os horizontes e permitindo aos músicos produzir material de qualidade a custos baixos e sem o envolvimento de terceiros.

Já veteranos no cenário e oriundos de uma situação que nem de perto lembrava esse razoavelmente estruturado circuito indie de São Paulo em 2011, o Chimpanzé Clube Trio aproveita esse novo momento da MPB para injetar adrenalina e qualidade no underground com seu mais novo disco, o totalmente improvisado e sem retoques e overdubs de estúdio, Tudo Veio do Nada. Gravado em "jazz sessions" no Bar B durante um mês em 2008, o álbum chega de forma virtual e pode ser baixado de graça no site da banda. E acreditem, Angelo Kanaan, Felipe Crocco e Luiz Miranda estão mais afiados do que nunca, mesmo quando não fazem nem ideia do que é que cada um está planejando para a próxima música.

Encontramos o guitarrista Felipe Crocco para uma conversa sobre a banda, o novo disco e sobre esse novo momento do underground paulistano, mais plural, cheio de oportunidades e relevante para a grande mídia do que qualquer outro período para os artistas independentes do Brasil. Os melhores momentos dessa conversa você lê logo abaixo.

Trip - Um repórter amigo meu tem uma pergunta que ele faz pra toda banda que faz som instrumental e eu faço agora pra você: é instrumental por que ninguém canta ou ninguém canta porque é instrumental?
Felipe Crocco
- Ninguém canta porque é instrumental. A gente sempre teve vontade de ter um trio instrumental. Desde sempre. Eu tinha essas influências de estar ouvindo, sei lá, Iron Maiden, Led Zeppelin e Black Sabbath, e bem na hora que o cara parava de cantar eu pensava: "É isso que eu quero fazer". O que eu curtia em todas essas bandas era a parte instrumental. Era o que eu parava pra escutar mesmo. Fora que eu sempre ouvi muito Jeff Beck, Charles Mingus, Dave Brubeck, muita coisa instrumental. É uma praia que a gente curte mesmo.  

Agora temos várias bandas instrumentais que tocam nas casas consideradas grandes do circuito alternativo. Há mais espaço hoje para bandas que fazem som instrumental?
Felipe
- Hoje tem sim. Mas é engraçada essa coisa que rola no Brasil e que não acontece tanto em outros países. A gente é visto aqui como uma banda instrumental. Mas bandas daqui que saem para tocar fora acabam entrando na categoria rock, jazz, surf music, hardcore... Os caras não entram como "instrumental". Quando alguém fala que ouve Dave Brubeck, ele não fala que ouve instrumental. A pessoa diz que ouve jazz. Mas eu vejo que sim, há mais espaço hoje para bandas que não tem vocalista. E muito por causa do pessoal do Fora do Eixo, as coisas estão se abrindo mais e com maior velocidade. Hoje tem mais lugar para tocar, com certeza. 

E essa história de transformar instrumental em gênero acaba de se complicar ainda mais pra vocês, porque além de serem classificados como instrumental, agora também serão classificados como banda de improvisação...
Felipe
- É verdade. 

Então gostaria de saber o que levou vocês para esse lado. Por que improvisar, de modo geral?
Felipe
- Isso é uma coisa que a gente sempre fez, até na época em que nós três tocávamos em uma banda que não era instrumental, os Abimonistas. Nessa época a gente improvisava até a letra junto. Mas com o Chimpa a gente tem uma definição bem clara: ou a gente começa uma música do zero, que é 100% improvisada, como é o caso do nosso novo disco, ou a gente faz a música e toca ele do jeito que fizemos, sem nenhuma improvisação. No máximo improvisa um pouco em um solo, mas quase sempre é improvisação zero. É uma coisa que depende de um certo clima para se fazer, mas a gente gosta muito.

E quanto tempo levou até vocês conseguirem a faixa preta na arte de improvisarem juntos?
Felipe - Bom, a gente faz isso há muito tempo, no mínimo desde 98. Com os Abimonistas a gente já começou fazendo isso. A gente nunca curtiu investir nosso tempo em cover, então desde o começo a gente improvisava bastante nos shows e nos ensaios e sempre curtimos. A gente chegava até a inventar nome falso de banda pra falar que a gente estava fazendo cover do Celofane Soul, cover do The Fires (risos). E óbvio que era tudo mentira, era só improvisação.

Quantas pessoas vinham falar pra vocês depois que conheciam essas bandas?
Felipe
- Não muitas (mais risos). Mas de vez enquando aparecia um ou outro. No começo dos Abimonistas tinha muito isso. E os nomes das bandas eram de acordo com o estilo. Então quando alguém anunciava que ia ser um cover de tal banda, a gente já sabia pra qual lado a improvisação ia seguir. Se alguém falava que era uma da Stinkin' Mother's Band, rolava um funk. Se era Celofane Soul vinha uma coisa mais pop. O The Fires era mais rockão (gargalhadas). Aí de vez enquando alguém vinha comentar que curtiu a do The Fires e tal. Era demais.  

Conta um pouco mais sobre as gravações... elas rolaram em vários lugares diferentes ou foi tudo no Bar B? Como foi?
Felipe
- Não, foi tudo ali no Bar B mesmo, que é na República, em São Paulo. Fomos convidados pra fazer uma temporada lá com shows toda a sexta. E como é um bar mais de jazz, a gente tinha que fazer três entradas de uma hora. Aí como não fazemos nenhum cover, não havia repertório para três horas de som. Então fizemos bastante improviso nesses shows. Eu tinha acabado de comprar um computador e uma interface de gravação, então gravamos os shows inteiros dessa temporada, tudo em 2008. 

Quanto material gravado vocês tinham no fim das contas? Foi difícil escolher o que vocês queriam?
Felipe
- Na verdade não. A maioria dos improvisos que a gente gravou entraram no disco. Teve um ou outro que ficou de fora, mas a maioria está toda aí. Lé é um bar legal, é gostoso tocar lá. Na maioria das vezes ali a gente estava tocando sentado, com nossos amigos em volta, tomando uma cerveja... Então o clima estava bem tranquilo pra improvisar. E aí os improvisos acabaram ficando muito bons por conta desse astral legal que tava lá. 

O disco de estreia do Chimpanzé saiu em 2007. Agora era a hora exata de voltar a lançar um disco? Por que um hiato de 4 anos entre os dois discos?
Felipe
- Na verdade nós já estamos produzindo o nosso segundo disco de estúdio. Ele será um disco em ritmo de estúdio mesmo, então será mais próximo do nosso álbum de estreia: vai ter convidados, overdubs, arranjos e tal. Então a gente achou que era a hora de lançar uma coisa mais parecida com a nossa demo, a Sessões de Quintal. E também para mostrar esse outro lado da banda, que é o da improvisação. Muita gente vê o Chimpa como a banda dos caras certinhos, que tocam bem, que cuidam do arranjo, que tocam igual ao disco quando estão no palco... Então achamos que seria legal lançar um disco totalmente no improviso, para destacar uma coisa que a gente vem fazendo há anos.  

Depois de improvisar para gravar, se vocês quiserem tocar essas músicas, vocês meio que tem que fazer um caminho inverso e transpor essas faixas para o palco. Você tem planos de fazer isso ou cada show vai ser uma coisa diferente?
Felipe
- O que pretendemos é fazer nos shows a mesma coisa que fizemos para esse disco: fazer umas músicas na hora mesmo. Tirar as músicas como elas sairam no disco é uma coisa quenão passa pela nossa cabeça. 

O disco sai novamente de forma totalmente independente. Está mais fácil ser artista independente hoje do que em 2003, quando o Chimpa tomou essa forma de trio?
Felipe
- Com certeza está bem mais fácil sim. A questão da facilidade pra tocar, de encontrar lugar. É aquilo que eu estava te falando sobre o Fora do Eixo. Essa relação com eles facilita muito para quem quer tocar pelo país. Se houvesse isso quando a gente começou a banda, teríamos tocado muito mais do que tocamos. Ainda mais pela idade que a gente tinha e ninguém era casado, ninguém tinha filhos nem tanto compromisso com outros trabalhos. Na época a gente tinha uma rede mínima, de uma ou outra banda que nós conhecíamos. E a gente até que tocou bastante. Mas se houvesse o Fora do Eixo naquela época nós tocaríamos bem mais. Isso sem falar nas facilidades das redes sociais e nessa tecnologia que nos permite gravar em casa só com um laptop. Em 2003 isso ainda era muito caro. Então agora é muito mais fácil de fazer a pré produção de um disco e até de gravar com mais tempo, sem depender tanto do estúdio.

Você acha que atitudes como a do Fora do Eixo estão, além de movimentar a cena de shows, também está de uma forma ou de outra valoriozando a música nacional? 
Felipe
- Sem dúvida. Sempre foi muito comum aqui você ouvir um discurso de que "não se faz mais nada novo", ou "o que aconteceu com a música brasileira?", essas coisas. E a gente que toca muito por aí ouvia isso e ficava pensando: "pô, mas como esses caras não estão ouvindo as coisas que a gente está ouvindo"? Entende? A gente sabe que tem um monte de bandas boas que estão aí faz tempo. E agora esses caras bons estão começando a aparecer mais. Está se formando uma coisa meio parecida com o que existia nas décadas de 60 e 70. Nós temos hoje grandes artistas, grandes nomes e  grandes bandas. E grandes no sentido artístico. Dá pra falar de um monte de artistas independentes que tem uma qualidade excepcional.  

Quem sabe assim a gente para de ouvir absurdos como "depois dos Los Hermanos não teve mais nada de relevante na MPB" e esses mesmos argumentos que sempre se repetem na mídia e até mesmo no público...
Felipe
- Justamente. E esse pessoal que é bom, eles são tantos, que não tem nenhum que se destaque demais em cima dos outros. É todo mundo independente e está todo mundo circulando nos mesmos espaços e nas mesmas mídias. A televisão não abraça muito esse pessoal, porque não tem um que seja "o cara" para, não sei, lançar um disco por uma grande gravadora, se é que isso ainda existe ou é importante. Fica tudo mais pulverizado, mais espalhado. E isso é ótimo, na verdade. Não tem o Chico Buarque de hoje em dia. Temos meia dúzia ou mais de Chicos Buarques (risos).  É só você ver aí o que está fazendo o Criolo, o Rômulo Fróes, o Lucas Santanna. São caras excelentes, caras que não ficam devendo nada para Los Hermanos, ou pra qualquer coisa que se fazia na década de 60. Esses caras só não tem o aparelho, a projeção e o tamanho que tem o Chico Buarque.

Vai lá: www.chimpatrio.com

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