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por Felipe Maia

O artista paulistano volta às prateleiras com o disco cósmico Despertador

Física básica: energia potencial, acumulada no elástico de um arco emprumando uma flecha, e energia cinética, movimentando a flecha após o elástico ser solto. Física avançada: utilizar esses princípios com uma nave espacial galáxia afora.

Leo Cavalcanti pouco sabe disso, embora sinta tais leis no seu trabalho. A relação do artista com a fronteira final é muito mais com o ludismo psicodélico do cosmos que com a dureza fria dos astros. Essa dicotomia desemboca no seu segundo disco, “Despertador”.

“O Religar aponta embates, aponta caminhos. O Despertador é o próprio caminho”, diz o músico, comparando seu trabalho de estreia ao novo álbum, formado por composições feitas entre 2010 e 2013 e selecionadas durante uma residência artística na Alemanha.

Faixas como “Leve” e “O Momento” transparecem um revestimento da Berlim rachada entre passado soviético e futuro underground -- ou hipster. São sons que aproximam Leo das experimentações eletrônicas do Krautrock e do cosmonauta Ziggy Stardust.

No auge desse processo, linhas eletrônicas de texturas valvuladas alternam-se e somam-se a encontros de cordas. Leo usa a música como extensão da sua viagem artística. A ida ao espaço é um retorno a si. “O despertar é uma descoberta contínua sobre a que viemos”, diz.

Há nesse discurso um proselitismo sutil. Leo não é panfletário, mas convoca sua jornada em todas as letras. Seu lirismo não se repete mais que a construção rítmica do disco. A bateria pouco se distingue ao decorrer das canções, embora as melodias cativem pela sua leveza pop.

Veja abaixo um making of exclusivo da gravação do álbum e, abaixo, uma entrevista com o artista. O disco pode ser ouvido logo a seguir.

 

Quem pega o disco percebe que ele tem um conceito que se estende da capa ao som. É evidentemente uma coleção de músicas sob uma ideia. Você queria fazer isso mesmo? Leo Cavalcanti: Quando eu vi, o disco já tinha um conceito. Não foi muito intencional. No começo da gravação do disco, eu tinha acabado de chegar da Alemanha. Fui fazer uma residência artística lá e fiz muitos shows por lá. Fiz uma triagem das músicas que eu gostaria de gravar. Quando eu cheguei e comecei a gravar o disco eu não sabia como seria. Ao contrário do Religar, esse era um disco muito mais pré-concebido. Eu já sabia o nome, eu sabia como seriam os arranjos e como eu queria que ele soasse. Como eu sou produtor e arranjador, eu fiz boa parte dos arranjos do Religar, as linhas de baixo, o sample, a percussão, etc. Nesse disco eu queria ficar um pouco mais solto, um pouco mais permeável, para ser um disco mais colaborativo. Eu fiz a maior parte das melodias e batidas e mostrei para o Fábio Pinczowski, também produtor. A gente foi descobrindo junto como o disco ia soar, quais músicas iam entrar, enfim, eu não planejei. Eu gravei o disco e fiquei muito tempo sem saber como ele se chamaria. No final do ano passado eu fiz um pedido pro mar pra saber o nome do disco. No dia seguinte, no dia 1º de Janeiro, meu deu um insight que o disco deveria ser Despertador. Era uma ideia que já existia, mas eu estava com medo de assumir essa característica. E ele realmente tem isso. O movimento do despertar aparece no disco inteiro. O despertar do qual o disco fala é o despertar do coração. Identifico como um movimento que esteja acontecendo com a humanidade de revisão de tudo. Uma descoberta contínua sobre a que viemos. Um olhar diferente sobre nós mesmos. Isso é uma coisa que me inspira e está presente no disco inteiro. A princípio eu não sabia como seria o disco e o processo de gravação foi muito fluido. Quando eu percebi, eu vi um disco com uma unidade conceitual. Não só conceitual, mas uma unidade sonora, temática e estética.

Quanto tempo durou esse processo todo? Em 2012 eu estava finalizando o Religar e eu compus bastante -- em uma semana eu posso compor trinta músicas e ficar meses sem compor nenhuma: compor, pra mim, é uma necessidade terapêutica e filosófica. Depois fui pra Alemanha e, assim que cheguei no Brasil, fui gravar. Foi muito rápido: 80% foi gravado em três dias. Eu, o Fábio e banda que a gente montou, a gente foi pra um sítio e a gente se reuniu lá. Os meninos da banda nem se conheciam, então era um risco, e eu estava achando que a gente ia gravar duas músicas, se muito. Mas a gente se conheceu, arranjou e gravou oito músicas das dez. Foi super rápido, ao contrário do Religar, que demorou meses. O Religar é um disco de muitas minúcias, colagens e muitos elementos. O Despertador é um disco mais simples nesse sentido. Ele é mais enxuto, mais sintético.

Sintético também em questão de linguagem eletrônica? Esse disco tem bastante elementos eletrônicos. Aí cabe tanto o sintético enquanto resumo, enquanto síntese, quanto o sintético em relação aos sintetizadores! Existem todos esses sentidos. Vim com essa ideia da Alemanha, ouvi muita música experimental lá. Gosto muito dessa linguagem pop de baixo e synth. Essa linguagem bem de pista, esse baixo treme-terra. Foi por isso que eu convidei o Marcos Leite Till, baixista da banda Tigre Dente Sabre. O som deles é catártico e não conheço nada igual no Brasil. Acabei chamando o Marcos para gravar comigo e ele incorporou muito bem a ideia. Ele foi fundamental.

Como você chegou nessa inspiração galática? Você foi ler Stephen Hawking? Não! (Risos) Foi um processo muito mágico. Quando a gente viu, tudo estava acontecendo rapidamente. Ao ouvir o resultado me ocorria muito mais um prisma. A música estava muito cristalina, brilhante. Me ocorriam também viagens cósmicas. Quis trazer isso pra capa. Nesse processo eu conheci o Luca del Caro, um artista gráfico incrível, que estava fazendo uns trabalhos baseados na Geometria Sagrada. Estava com vontade de trazer isso pra arte do disco e pensei em fazer a capa do disco com essas imagens como se fosse uma nave intergalática. Chamei a Karen Kawagoe e ela fez o projeto gráfico do disco.

E qual foi sua intenção na ida para a Alemanha? Fui convidado por um coletivo de artistas brasileiros, o coletivo +BR13, que faz umas pontes entre Brasil e Alemanha. Eles conseguiram um edital de uma residência artística numa cidade próxima a Munique. Entraram em contato com meu trabalho, estavam atrás de alguém de música e gostaram do meu trabalho e me convidaram. Caiu do céu, porque tudo que eu precisava era fazer um retiro artístico. A gente fez vários performances, a gente criou lá em conjuntou e a gente marcou uns shows meus lá: Munique, Viena, Aubsburg, etc. Me propus a fazer shows só de músicas inéditas. Lá foi uma espécie de aquecimento e acabei gravando um clipe lá também. Foi o clipe de Get a Heart, a única música em inglês do disco. Gravei com dois cineastas brasileiros que moram em Berlim. (Veja abaixo o clipe)

É uma fase meio Bowie do Leo Cavalcanti? Ah, na verdade não tinha essa intenção. As pessoas estão relacionando, mas não foi a intenção. Na verdade, eu nem trabalho pensando em referências. Reúno os elementos com os quais tenho contato e dali brota algo.

O quê vai nessa mistura toda? Consegue apontar algumas coisas? Acho que sim. A linguagem dos sintetizadores, essa linguagem de treme-terra. Uma temática inspirada nos meus estudos de meditação, de autoconhecimento e de filosofia -- isso já vem do Religar, mas nesse disco é ainda maior, mais aprofundado. Esse disco não tem nenhuma música romântica. Tem uma ou outra em que cabe essa leitura, mas não é a intenção.

Mesmo “Get a Heart”? Nem um pouco. Talvez “Só digo sim”, “Leve”... Todas falam de amor, mas é um outro amor. É um amor por todas as coisas. Não é um amor intrapessoal, é um amor interpessoal.

É realmente algo que veio do Religar e desembocou nesse novo disco. Sim. O Religar aponta embates, aponta caminhos. O Despertador é o próprio caminho. É como se o Religar fosse a flecha puxada no arco e o Despertador é a flecha em caminho.

Você acha que o vídeo é uma necessidade do músico hoje? Desde Beyoncé a Marcelo D2, tem muita gente fazendo vários clipes para várias músicas. No meu caso é uma extensão natural de linguagem. Não tenho interesse em fazer música pra mim. Quanto mais arte envolvida, melhor. Sou muito conectado com dança e cada vez mais quero fazer dança no meu trabalho. Eu vejo que a música é muito imagética e costumo trabalhar desse jeito. Costumo compor pensando no arranjo. É uma tendência natural. Cada vez mais quero expandir a música para além da música.

Você acha que, de alguma maneira, sua música faz parte de um cenário de retomada dos espaços, sejam os espaços públicos, sejam os espaços transcedentais? Relacionando-se com coletivos como a Voodoohop e novas bandas como o 5 a Seco -- que podem ser vistos como dois extremos. Acho que sim. Acho que meu trabalho se comunica com ambos. Estou cada vez mais entrando em contato com a Voodoohop e me identifico bastante.

Acho que é um espírito alemão, mais berlinense, talvez. Sim, algo que une o underground ao transcedental. Vejo que a gente está num momento em que as pessoas estão buscando algo que antes vinha através da religião, mas agora é através da arte. É uma coisa muito genuína, é uma maneira de transcendência. A arte pra mim é minha grande religião. Não tenho religião, não tenho doutrina, mas tenho um trabalho de busca de espiritualidade. Vejo isso acontecendo através da arte, através dos movimentos coletivos transgressores.

Botando o pé no chão, quais os próximos passos com o disco? Vou fazer um show no dia 19/4 de lançamento na choperia do SESC Pompeia e esse elemento intergalático vai ficar mais evidente. A ideia é potencializar isso. A ideia é tocar o máximo possível. Sair Brasil afora mesmo.

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