por Luiz Filipe Tavares

Banda britânica fala com a Trip sobre novo disco e show em cemitério paulista

Os cerca de 200 corajosos que encararam o clima gélido do domingo a noite e foram até o Cemitério da Vila Nova Cachoeirinha, Zona Norte de São Paulo, presenciaram um show impecável dos britânicos Fujiya & Miyagi. Eles se apresentaram pela segunda vez no Brasil depois de passar por aqui em 2008 durante o festival Motomix, ao lado dos conterrâneos do The Go! Team e dos canadenses do Metric. Em evento organizado pelo Centro Cultural da Juventude Ruth Cardoso, o quarteto inglês colocou todo mundo para dançar no show gratuito diante do enorme cemitério no alto do lado norte paulistano, mesmo com 10º de sensação térmica na capital paulista.

A banda está no Brasil divulgando seu quarto álbum de estúdio, Ventriloquizzing, recém lançado na Europa e nos EUA que marca oficialmente a entrada do baterista Lee Adams para completar o até então trio formado por Steve Lewis, David Best e Matt Hainsby. Com um som mais orgânico do que nunca, a banda de Brighton conquista mais espaço a cada dia com sua mistura de sonoridades que vão desde a densa música jovem alemã dos anos 70, passando pelo funk e soul americano e pelo rock alternativo e shoegaze britânico dos anos 90. Com mais de 10 anos de estrada, o trio transformado em quarteto já acumula muitas milhagens, tendo passado pelos maiores festivais europeus como Leeds, Reading, Glastonbury, Benicassim, Sonar e muitos outros.

Os curitibanos ainda podem assistir à banda nesta quinta-feira, dia 2 de junho (veja info no final da matéria).

Antes de subir ao palco improvisado do lado de fora do CCJ, o vocalista e guitarrista David Best e o tecladista Steve Lewis pararam para falar com a reportagem da Trip, comentando o processo de gravação de seu novo disco de estúdio, a parceria com o produtor Thom Monaham (que gravou o disco de estreia do trio "brazucamericano" Little Joy), paternidade de primeira viagem e produção de videoclipes na era pós-MTV.

Logo abaixo você lê a conversa na íntegra.

Trip - Primeiramente, sejam bem vindos de volta. Eu assisti o show que vocês fizeram aqui em 2008 (durante o festival Motomix, ao lado de The Go! Team e do Metric)  e fiquei muito impressionado com o público nesse dia. Todo mundo dançou muito e curtiu, mesmo sem conhecer a grande maioria das músicas. Vocês gostaram de tocar aqui daquela vez? O que acharam do Brasil?

David Best - Muito obrigado! nós adoramos o Brasil da primeira vez. Não me lembro se nós já tínhamos um baterista nesse show. Tínhamos?
Steve Lewis - Sim, nós tínhamos. O Lee (Adams) tinha acabado de se juntar a nós. Foi muito legal porque pudemos tocar com o Go! Team, nossos vizinhos de Brighton, mesma cidade de onde nós somos. Então foi uma oportunidade muito legal para nós. 
David - Além do que, é sempre muito interessante chegar em um país pela primeira vez. Nesse ano, por exemplo, estivemos na Colômbia e no México pela primeira vez. Aprendemos muito nessas viagens, vendo coisas diferentes. 

E desta vez, também uma situação diferente para vocês, tocando em um lugar pouco ortodoxo como hoje, em uma praça escura diante de um cemitério. Vocês se lembram de outros lugares incomuns onde tocaram nesses mais de dez anos de carreira?

Steve: E é um cemitério enorme! (gargalhadas). Nunca tocamos em um lugar assim antes. Eu me lembro que uma vez a gente tocou em um barco, o que ja foi bem legal...
David: Dois barcos, certo?
Steve: Sim, dois barcos. Um deles era do lado de dentro, então enquanto íamos tocando nós podíamos ver a linha da água pela janela. Foi memoravel. Foram duas ocasiões, uma na Suíça e uma na França. 
David: E em Bristol também. Então três barcos...
Steve: Três barcos! Somos quase uma banda de marinheiros (risos). Outro lugar que foi bastante estranho foi em Nova York, quando tocamos há apenas uns metros do Ground Zero (local onde ficavam as torres do World Trade Center, derrubadas por um ataque terrorista em setembro de 2001), bem no meio do distrito financeiro. Foi uma sensação muito estranha tocar ali, diante de cinco mil pessoas.
David: Sim, foi um show de graça, como este de São Paulo. Foi bem marcante para a gente.

Queria aproveitar para também parabenizar vocês dois, pais de primeira viagem, pelos novos bebês... 

David: Muito obrigado. Eles tem só dez dias de diferença... Eu tive uma filha e o Steve teve um garoto.
Steve: Nós esperamos que eles formem uma banda juntos daqui a um tempo (risos).

Com certeza os seus fãs também esperam que isso aconteça. Qual o impacto do nascimento das crianças para as atividades da banda, entre turnês, ensaios e gravações? 

David: Bom, o Ventriloquizzing mesmo já estava pronto desde o ano passado, quase um anos antes de nós lançarmos o disco. E nós seguramos o lançamento justamente porque os bebês estavam chegando e nós não queríamos estar longe quando eles nascessem, então de cara esse já foi o grande impacto. E foi difícil, porque é duro você terminar um disco do qual você se orgulha muito e ter que simplesmente sentar em cima dele por um ano. Foi complicado, mas com toda a certeza valeu a pena, era o melhor a se fazer.
Steve: Há alguns anos atrás nós colávamos uma turnê na outra e viajávamos sem parar. Mas agora já podemos planejar melhor nossas viagens, podemos tirar umas pequenas pausas no meio das turnês. Então só tivemos que mudar um pouco o nosso cronograma. 
David: Por outro lado, o nascimento dos meninos faz com que a gente queira trabalhar mais duro, em nome da responsabilidade. Você quer que eles fiquem bem, em todos os sentidos.

E, sendo o primeiro filho dos dois, o que mudou na sua vida pessoal depois do nascimento? 

Steve: Acho que a principal mudança é o foco. Você passa a pensar de uma forma bem diferente. Você fica instantaneamente menos egoísta (risos). É preciso se tornar menos egoísta. É uma coisa que enriquece a sua vida.
David: No meu caso eu só consigo pensar "por que é que eu não tive um filho há 10 anos atrás."

Falando em filhos, queria falar um pouco do outro bebê de vocês, Ventriloquizzing. Como os fãs ingleses reagiram à mudança de sonoridade da banda, mais orgânica do que nunca nesse novo disco? 

David: Em termos de shows, nós tocamos em Londres recentemente e foi fantástico. Eu acho engraçado que, quando a gente começou a ficar conhecido, os hipsters vinham ver os shows da banda e perguntar: "será que eu gosto disso?" (muitos risos). Mas depois de fazer dois ou três discos, as pessoas que vem te ver são simplesmente as pessoas que gostam de você. Por isso que os shows ficam cada vez melhores. Isso tem a ver com a quantidade de energia positiva no ar, falta de nagatividade. As pessoas vão para curtir e se divertir, todos querem que você toque bem.
Steve: Ao que me parece, há uma espécie de emoção mista dos nossos fãs com esse álbum, o que eu acho que pode ser uma coisa boa. Tem gente que amou em absoluto, tem outros que gostavam mais dos outros discos. 
David: Mas nós não queríamos fazer o mesmo disco outra vez. Nós tínhamos que mudar, fazer diferente por nós mesmos. Não dá para fazer a mesma coisa mil vezes. Nós ficamos entediados então precisamos mudar. É um crescimento natural.        

Ao meu ver, essa mudança tem muito a ver com a decisão de vocês de finalmente gravar com um produtor de fora. Sou fã do trabalho do Thom Monaham (produtor de Ventriloquizzing) há algum tempo, especialmente por causa do disco que ele fez com o Silver Jews (Natural Bridge). Como foi trabalhar com ele no estúdio.

David: Ele foi recomendado para a gente por amigos em comum, do Au Revoir Simone, que já tinham trabalhado com ele antes. Nós fizemos alguns shows da turnê com eles e o Thom tinha acabado de produzir o último álbum da banda (Still Night, Still Light). Como nós estávamos procurando alguém para co-produzir o disco com a gente, acabamos encontrando com ele em Londres e deu tudo certo. Já conhecíamos o trabalho do Thom através dos discos que ele fez com o Vetiver (Vetiver), com o Devendra Banhart (Cripple Crow) e com o J Mascis (do Dinossaur Jr.), o que é um currículo bem impressionante. E ele é um cara que gosta de trabalhar duro e é um cara simplesmente fantástico. Realmente uma ótima pessoa

Steve: E nós temos muitas similaridades musicais também. Mesmo ele sendo associado mais a bandas como o Vetiver e o próprio Devendra, um som mais da Costa Oeste dos EUA, ele também se liga muito em música eletrônica. Na verdade rolou uma bela conexão entre a gente. Semana passada mesmo ele esteve em Brighton passando uns dias com a gente.
David: É verdade. Ele ficou na casa do Steve e nós levamos ele para conhecer todas as lojas de discos da cidade (risos). Pensamos em voltar a trabalhar com ele no futuro, talvez uma real colaboração ao invés de co-produção, mas ainda é cedo para bater o martelo. 

E esse é o primeiro álbum de vocês que não foi 100% produzido pela banda. Por que vocês decidiram que era a hora de trabalhar com um produtor propriamente dito? 

Steve: Ah, com certeza foi a necessidade de conseguir ideias mais frescas, entende? Nós achamos que Transparent Things e Lightbulbs tem uma sonoridade bastante parecida. E como eu sou era o principal encarregado das tarefas de produção no estúdio, chegou um ponto onde eu realmente precisava trabalhar ao lado de alguém, para aprender mais coisas e detalhes de produção. Foi bem uma busca por novas visões para a nossa música. 
David: Trabalhar com o Thom foi ótimo para sair do padrão, operar em uma definição diferente do que nós vínhamos fazendo anteriormente. E mesmo com o produtor diferente e o som diferente, você sabe que é uma música do Fujiya & Miyagi, gravada de uma maneira Fujiya & Miyagi. 
Steve: E eu aprendi muito com o Thom nessa gravação. Trabalhar com ele nesses meses foi muito positivo para todos nós. 

Uma outra coisa que eu acho irretocável na carreira de vocês são os vídeos, o que inclui o mais novo, para"Yo-Yo", do Ventriloquizzing, e principalmente o de "Knickerbocker" (veja abaixo) , que é de tirar o fôlego com os cortes e as cores. Para vocês, qual a importância do videoclipe nesses tempos pós-MTV? 

David: Damos importância total para nossos vídeos. Eles podem atingir muito mais pessoas do que nossas turnês são capazes. Então acho indispensável que continuemos a trabalhar forte na produção dos clipes.
Steve: Um outro fator que eu vejo como importante hoje em dia é que mudou muito a forma das pessoas verem os vídeos. Todos estão acostumados a ver os clipes em telas menores,  hoje no YouTube ao invés da televisão. No começo era até um pouco estranho para a gente pensar dessa forma. Você tem que se preocupar em como ele ficará em um espaço menor, mas isso não tira nem um pouco da importância dos clipes para as bandas de hoje.
David: Para nós, os vídeos são uma forma de expressão diferente. É só olhar para a gente para ver que não somos as pessoas mais extravagantes do mundo. Então se temos clipes interessantes e atrativos, somos capazes de atrair mais gente para a nossa música. 
Steve: Acho que por isso até procuramos seguir influências como a de Chris Cunningham (famoso videomaker britânico que já trabalhou com Placebo, Aphex Twin, Bjork e Afrika Bambaataa), responsável por dar um rosto para vários artistas até então desconhecidos do mainstream quando os clipes foram produzidos. Isso também nos ajudou muito.

Falando em influências, eu me lembro de ler algumas resenhas de Transparent Things e mesmo do Lightbulbs, especialmente na imprensa inglesa, falando que vocês "faziam o krautrock ficar divertido outra vez", o que na época pareceu fazer todo o sentido. Hoje eu vejo que isso é uma bobagem, já que o som de vocês vai muito além das influências alemãs dos anos 70. Então, fora os óbvios Can, Neu! e Kraftwerk, o que é que vocês gostam muito de ouvir e que vocês acreditam que tenha pesado na construção da sonoridade do Fujiya & Miyagi, especialmente para Ventriloquizzing?

David: Pelo que eu vejo, tanto neste como nos outros álbuns, a maior influência foram nós mesmos, as diferenças de gosto entre cada um de nós e as ideias que foram aparecendo com o tempo. Tendo dito isso, sempre gostei muito do Terry Riley, compositor clássico americano e um dos precurssores do minimalismo. Ouvi muitas coisas dele antes de gravar Ventriloquizzing.
Steve: Sob o meu ponto de vista pessoal, eu tentei bem entrar no clima de venntriloquismo, já que é meio que um tema para a gente agora. Bastante coisa de clima mais viajado, Spacemen 3 por exemplo, com muito eco, distorção e drone. 
David: Outra coisa que eu também gosto muito hoje é o Emeralds, de Cleveland. Essa é uma das bandas que eu mais tenho ouvido. Eles misturam muito bem o clima de sintetizadores e guitarras, com bastante influência de ambient music. 

Vai lá: Fujiya & Miyagi em Curitiba
Quando:
02 de junho, quinta-feira, a partir das 23h
Onde: Era Só O Que Faltava - Av. República Argentina, 1334, Água Verde - fone: (41) 3342- 0826
Quanto: 40 reais (inteira)

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