Potenciais idiotas

É muito old school ter um bom negócio para ganhar dinheiro que cria desequilíbrio social e ambiental e depois abrir uma ONG para corrigir o desequilíbrio criado

Caro Paulo, 

Tem consumo que satisfaz necessidade e consumo que satisfaz desejo. Eu não me atrevo a saber onde está a fronteira entre os dois. O que sei é que nessa fronteira reside o potencial de o humano ser um completo idiota. O antídoto para essa idiotice seria a nossa consciência, mas ela não tem tido prestígio e poder suficientes para impedir nossos erros, dos mais simples e privados aos mais catastróficos e públicos.

De certa forma, esse é o tema do livro Phishing for Phools: the Economics of Manipulation and Deception, dos vencedores do Nobel George Akerlof e Robert Shiller, resenhado por Helio Schwartsman na sua coluna da Folha no dia 11 de outubro. Veja o vídeo com o Shiller no site da Princeton University Press. É curto, vale a pena.

A conclusão do jornalista-filósofo e dos autores-economistas é que nós humanos temos fraquezas e que, por isso, tendemos a cair em tentação aos apelos do mercado que, livre, nos fará consumir o desnecessário e o errado, desenvolvendo nosso potencial de sermos idiotas. 

Para eles, a solução para evitar este mau comportamento seria a informação e a regulação. Eu poderia concordar
com eles se reguladores, informadores, empreendedores, gestores, fiscalizadores e punidores não fossem tão idiotas
quanto os consumidores. Isto é, temos um problema cultural grave porque mesmo pessoas inteligentes, bem informadas e bem-intencionadas fazem coisas erradas sabendo que são erradas e colocam a culpa no sistema, se isentando de se corrigir e endereçando a solução para a correção do sistema. O problema e a solução é o sistema, e não o ser humano. É isso mesmo?

COMPETÊNCIA E CONSCIÊNCIA

Criar regras para depois fraudá-las é um jogo de faz de conta perigoso. Criar regras para aposentar a consciência desumaniza as relações, seja na gestão, na produção ou no consumo.

Tenho visto isso nas montadoras, nas padarias de esquina, nas igrejas, nos governos... A justificativa para fazer o errado sabendo que é errado é o sistema, a corporação, o costume, a cultura.

Quando alguma organização começa a mudar a realidade para melhor, indo além da lei e do mercado, pode ter certeza de que tem algum ser humano usando sua competência e sua consciência crítica para fazer planos e gerenciar o negócio. Provavelmente é uma organização que, inovando apesar do sistema, vai liderar o mercado.

É muito old school ter um bom negócio para ganhar dinheiro que cria desequilíbrio social e ambiental e depois abrir uma ONG para corrigir o desequilíbrio criado pelo negócio. Essa conta não fecha por mais milionária que seja a fundação, porque o desafio é cultural, e não apenas econômico.

Fico imaginando qual educação a fundação do milionário estará dando aos seus jovens. Estará ensinando seu modelo de sucesso – ganha muito aqui e devolve um pouco ali – mantendo e explorando o sistema? Ou estará propondo a integração de competência com consciência para mudar o sistema?

Informação e regulação é bom, mas é pouco, muito pouco. Nossa civilização está pedindo mais que isso. Gestão, produção e consumo conscientes. (Para saber mais, akatu.org.br)  

Meu abraço saudoso,

Ricardo


*Ricardo Guimarães, 66, é presidente da Thymus Branding. Seu e-mail é ricardoguimaraes@thymus.com.br e seu Twitter é @ricardo_thymus 


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