por Paulo Lima
Trip #248

”Será que a vida afetiva e sexual das pessoas sofreu de fato alterações importantes em função do gigantesco swell tecnológico que quebra sobre nossas costas?”

Como em outras ocasiões, o tema abordado nesta edição, e em boa parte dos suportes de comunicação que produzimos hoje sob a marca Trip, surgiu de uma questão sobre a qual não havia nenhuma certeza. É mais que evidente que toda a infinidade de coisas que podem ser nomeadas pelos surradíssimos vocábulos “inovação” e “tecnologia” produziram importantes mudanças no dia a dia, na velocidade, nas escolhas, nas aparências e na maneira de agir da humanidade. Declinar todas as manifestações dessa hecatombe tecnológica, diga-se, seria um exercício bastante cansativo.

Seria preciso mencionar desde a facilidade com que um cidadão que aprecia interagir sensual e sexualmente com homens peludos e acima do peso, os chamados ursinhos, passou a encontrar os objetos de seu desejo antes perdidos na selva cerrada de preconceitos que os mantinha escondidos (ver reportagem “No fim do arco-íris”, Trip #147), até o significativo impacto da chegada da telefonia móvel e dos canais de televisão por satélite nas cerimônias de meditação, no horário tradicional e quase sagrado das refeições das famílias e nos subsequentes momentos de intimidade entre os casais no longínquo e isolado Butão.

Sobre isso, aliás, nunca pairaram dúvidas. A tecnologia é um implacável agente transformador de formas, de hábitos e de ritmos, que ao mesmo tempo e de maneira fascinante, facilita acessos e cria desafios novos a cada segundo. E exatamente daí derivou a pergunta que provocou nosso trabalho: será que a vida afetiva e sexual das pessoas sofreu de fato alterações importantes em função do gigantesco swell tecnológico que quebra sobre nossas costas?

Depois de cerca de dois meses debruçados sobre o tema, a conclusão parece indicar que, em que pese as enormes e definitivas mudanças no que toca a velocidades, quantidades e variações de estímulos, alterações visuais e estéticas, do aparecimento de ferramentas das mais encantadoras e surpreendentes capazes de desvendar enigmas e resolver impasses de todos os tipos, aquilo que é realmente fundamental mudou muito pouco. Talvez nada.

Sim, a cada invenção disruptiva, infinitos novos hábitos e possibilidades afloram. Mas ao que parece, importará pouco se enquadrarmos o recorte do mundo pós Graham Bell ou aquele mais recente, que se curvou aos pés de Steve Jobs. No fim e ao cabo, ainda que possamos estar em contato com maiores velocidades, quantidades e matizes de experiências, continuamos absolutamente prostrados diante de oceanos de dúvidas, angústias, travas, preconceitos e medos. Claro, felizmente, também seguimos navegando encantados e profundamente atraídos pelas maravilhas sensoriais e amorosas que o contato com o outro e com nossos próprios mistérios e potencialidades tem a oferecer.

Mas não se engane, o mesmo mundo que ao toque de uma tela é capaz de te conectar a milhares de pessoas dispostas a uma interação sensual imediata de acordo com suas preferências, pode na real estar interagindo sensivelmente menos, amorosamente falando, e definitivamente ainda teme tabus ancestrais como, para ficar num exemplo simples, o próprio corpo humano. Uma anatomia que, em pleno ano cristão de 2015, ainda assusta , provoca, ofende, encanta e atrai, com intensidade idêntica a que se via no tempo dos nossos tataravós. Curioso, e talvez alentador, notar que em meio a tanta tecnologia, continuamos a ser as mesmas criaturas, tão simplórias quanto interessantes, de sempre.

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