Crianças cardíacas de todos o Brasil vão à Casa do Coração, em São Paulo, à espera de um transplante que pode ocorrer a qualquer momento

Caro Paulo,

Eu me emociono muito quando uma utopia se realiza na minha frente porque, nessa hora, eu experimento a vida acontecer com todo o seu potencial de beleza, afeto e significado. Por isso eu sempre vou às lágrimas na noite do Trip Transformadores, quando vou ao Rio encontrar os meus amigos do AfroReggae e agora ao conhecer o trabalho da Casa do Coração, dirigido pela Teresa Bracher e sua equipe.

Afirmo que a utopia acontece na minha frente justamente para mudar a ideia de que utopia é sinônimo de algo impossível. Não é. Vou explicar minha compreensão de utopia (a partir de Lewis Mumford, em História das utopias) de novo porque a gente já tratou desse tema aqui algumas vezes.

A Casa do Coração cuida de crianças carentes cardíacas que esperam um coração novo para transplantar ou que já passaram por transplante. Sim, elas podem morrer a qualquer momento, como de fato morrem – em 2014 foram dois óbitos por mês, o que não é nada perto do sucesso que obtém, mas é tudo porque uma criança é uma criança.

Essas crianças muito carentes vêm de todo o Brasil e têm que ficar perto do hospital porque, quando surge o doador, a logística tem que ser tipo Fórmula 1. Elas ficam na Casa do Coração com suas mães, que deixam o pai com os outros filhos na cidade de origem. Essas mães, em geral, mal sabem ler e escrever e precisam ser alfabetizadas e capacitadas para produzir algo e cuidar do filho ou da filha enquanto eles esperam o coração novo ou se recuperam da cirurgia antes de voltar para casa.

VIDA E MORTE

Na real, para ajudar a criança cardíaca, a Casa do Coração vira uma operação extraordinariamente delicada e complexa de solidariedade, arte e ciência, um processo intenso, em permanente estado de emergência porque ali a vida e a morte são possibilidades sempre iminentes. Pela intensidade da intenção e pelo desfecho na mão do acaso, apesar de todo o esforço pelo sucesso, um filósofo da arte, como John Dewey, diria tratar-se de uma experiência artística. Ali se vive a vida na plenitude de sua fragilidade e grandiosidade.

Que outra utopia poderia existir, diferente de viver a vida na plenitude de sua fragilidade e grandiosidade, aqui, no lugar em que estamos, agora?
Quero utopia com menos imaginação e mais ação, com urgência, ciência, arte e solidariedade. Vai lá comprar os bordados incríveis das mães da Casa do Coração (rua Oscar Freire, 1.463), em São Paulo, um lugar onde a utopia se realiza.

Meu abraço, Ricardo

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