Brilho nos Olhos

por Alê Youssef
Trip #245

Confesso que me emocionei ao rever o famoso vídeo do “Lula lá”, com um coral de artistas cantando o jingle. Mas a emoção logo deu lugar à tristeza

Navegando pela internet, me deparei com vídeos da campanha presidencial de 1989, quando os brasileiros votaram pela primeira vez para presidente depois do longo e terrível período da ditadura militar. Confesso que me emocionei ao assistir novamente o famoso vídeo do “Lula lá”, com a mistura de imagens de uma multidão entoando o coro e um coral de artistas famosos cantando o jingle, todos exercendo cidadania plena, com brilho nos olhos e verdadeira esperança em um futuro diferente. Na mesma página do YouTube, outros vídeos mostram a trajetória de Lula e do PT ao longo das campanhas seguintes, incluindo uma bonita reportagem do Fantástico na TV Globo sobre sua origem miserável e sua ascensão espetacular, no dia da sua vitória, em 2002.

Claro que a emoção que senti ao rever as imagens se transformaram rapidamente em profunda tristeza pelo atual estado das coisas, mas, ao mesmo tempo, esse sentimento despertou em mim uma necessidade de busca por essa “emoção perdida” que a política deixou de nos proporcionar. Infelizmente, parece que aquele amor pelo Brasil e pela liberdade daquele momento se esvaiu. Talvez este seja mais um efeito colateral da opção que o PT fez.

Mas, para empreendermos essa busca, vale uma reflexão que deve ir além da simples constatação da overdose de pragmatismo do “tudo pelo poder” que abateu o partido que representou na nossa história recente uma espécie de farol ético para se discutir os temas da vida pública. O mesmo tipo de desvio e desilusão se aplica às outras forças políticas brasileiras: o PSDB, por exemplo, atua na lógica do “quanto pior, melhor” e trabalha contra tudo aquilo que já defendeu, como o ajuste fiscal, a reeleição etc. O PMDB, que há muito tempo deixou de ser protagonista para abrigar o pior da prática fisiológica – participando de qualquer governo em troca de cargos –, hoje tenta voltar à ribalta, consagrando sua prática torta de benefícios para os deputados e senadores e oportunamente se ancorando no discurso conservador radical dos que misturam política com religião.

Mesmo os mais novos partidos de esquerda, que erguem com clareza a bandeira da ética e da decência, ainda apresentam os resquícios de uma prática totalitária, muito mais vertical do que horizontal, e não conseguem representar essa emoção por trazerem um discurso mais de luta do que de construção e manterem a lógica pragmática da disputa de campo acima de tudo.
Assim como a direita mais conservadora, que ocupou as ruas recentemente com palavras de ordem duras, adota uma postura mais próxima da destruição e do ódio e tem uma agenda individualista, distante de propostas concretas e factíveis para todo o país.
 

RINGUE ELETRÔNICO

A verdade é que nosso sistema político tradicional está dando sinais de verdadeira falência. O brilho nos olhos de outros tempos ou dá lugar a uma horrorosa indiferença ou sucumbe diante dos radicalismos. Ninguém quer se misturar aos políticos, e os que querem não têm apreço pelo processo coletivo de construção alternativa aos dogmas do passado – sejam eles de esquerda ou de direita.

O sentimento de que este texto trata é o amor pelo projeto do país que queremos, ou seja, a emoção pela essência da política, pelo processo de transformação em si e pelo caminho a se percorrer com os pares em busca de um sonho de nação. Para que volte o brilho no olho, precisamos do novo, que não será nunca representado por tentativas desesperadas de volta ingênua ao passado ou por palavras vagas e soltas que prometem o novo, mas replicam o velho. Precisamos da nova prática verdadeira, que deixe de lado tudo o que é velho: desde a política ultrapassada até a filosofia clássica, que já não encontra eco no presente.

O status quo de cabeças pensantes viciadas no atual sistema poderá taxar palavras como essas de ingênuas e as novas ideias podem cair no ringue estúpido e polarizado das redes sociais. Mas, mesmo com todos os riscos, talvez seja disso que o país precise neste momento: liberdade até para a ingenuidade se colocar e pensar em como seria a situação ideal de relacionamento coletivo em busca de novas formas de política.

 

*ALÊ YOUSSEF, 40, é apresentador do programa Navegador, da Globonews, analista político e presidente do bloco Acadêmicos do Baixo Augusta.
Seu e-mail é alexandreyoussef@gmail.com 

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