Na hora que o hino tocou, as lágrimas transbordaram

Assisti Ao jogo do Brasil em casa com amigos. Na hora que o hino tocou, as lágrimas transbordaram dos olhos de todos. não imaginava que eu pudesse me sentir tão brasileiro. Assistindo à partida, redescobri esse amor

Gostava de jogar bola quando menino. Ganhando ou perdendo, era bem divertido. Mas jamais consegui sentir alguma emoção em assistir aos outros jogarem. Torcer por time de futebol nunca teve graça para mim. Eu queria ser o jogador, viver a emoção do jogo. A impressão que ficava ao assistir a alguma partida era de frustração. Sentia-me enganado: os jogadores tocando a bola de lado e enrolando o tempo todo. A luta era para não perder. Não havia jogo porque jogar possibilita ganhar, mas também há o risco de perder. E eu aprendi, com o futebol, que os outros têm que ganhar também para que haja equilíbrio. Caso somente um lado vença sempre, não haverá emoção, não será jogo. Parece simples, mas foi uma grande lição. Desse aprendizado, por dedução, caminhei para outros. Por exemplo: não estou sozinho no mundo; não sou o centro de tudo; não estou no topo; não sou melhor ou pior do que ninguém; os outros são semelhantes a mim e o que careço eles carecem também. O que dói em mim dói nos outros também, e por aí fui me envolvendo no mundo de relações.

Os únicos jogos que me atraem são os da seleção brasileira. Vivo intensamente cada segundo, detesto empates, placares acanhados e, se for para perder, tem que ser de bastante. O problema é que eu assisti pela TV à seleção atuando na Copa de 1970, no México. Era um time fabuloso. Todas as seleções posteriores ficaram acanhadas.

Para nós, que moramos na cidade de São Paulo, as vésperas foram muito sofridas. Primeiro foi a greve dos ônibus em maio que sacrificou a população. Depois a do metrô. O que se destacou foi a arrogância e a dificuldade do diálogo entre governo, empresários e sindicatos. O sofrimento do povo nas ruas, na chuva, sem ter como voltar para casa; compromissos não cumpridos; consultas médicas não realizadas; a parte mais frágil da população – as crianças e os doentes – sem cuidados e a sociedade como um todo esquecida. Parece que ninguém tem consciência do outro. Só importa o grupo que defendem, os outros não significam nada.

ISCA E ANZOL

Não sou contra greve; sou a favor das pessoas. Sei que aqueles que controlam o capital são exageradamente gananciosos e que a greve é um instrumento de pressão referendado até por lei. Mas não pode ser o único modo de resolver e, sim, a última alternativa para quando não houver outras saídas. A população não pode sofrer com a falência do diálogo e ser tomada como refém. É absolutamente injusto e isso traz à memória estranha coincidência. Dia 17 desse dramático mês que é sempre junho, o jogo do Brasil foi contra o México. No ano passado, nessa época, ocorreu uma grande manifestação na avenida Paulista. Foi surpreendente o número de pessoas que participaram. As reivindicações eram múltiplas: o fim do aumento da passagem de ônibus e o combate à corrupção no governo eram algumas delas. Havia protestos contra o Bolsa Família e outros programas de redistribuição de renda do governo. Ensinar a pescar e não dar o peixe era a argumentação. Havia quem contra-argumentasse: como pescar se não há caniço, isca e muito menos anzol? Não havia uma pauta, a avenida abrigou todo tipo de descontentamento. Até o de pessoas de posses que não querem dividir privilégios com a classe C em ascensão. Aqueles manifestantes foram chamados de “coxinhas”, termo ambíguo para denominar pessoas da classe média bem informada e festiva que aderiram ao movimento.

Assisti ao jogo do Brasil contra a Croácia. Reunimos amigos em casa e, na hora que o hino foi cantado no estádio, nos unimos ao coro e nos emocionamos muito. As lágrimas invadiram os olhos de todos; eu não imaginava que pudesse me sentir tão brasileiro. Quando menino, aprendi a amar o Brasil através de nossa seleção. Assistindo ao jogo, redescobri esse amor imenso. Somos todos brasileiros; não vamos nos dividir para satisfazer a ganância de terceiros, vamos lutar para que o país seja melhor para todos, com todas as forças. Dá para sentir que vale a pena.

*Luiz Alberto Mendes, 60, é autor de Memórias de um sobreviventeSeu e-mail é lmendesjunior@gmail.com

fechar