Trip Girl: Vlada

por Autumn Sonnichsen
Trip #232

A nova descoberta da fotógrafa Autumn Sonnichsen perdida em uma plantação de maconha na Califórnia

Nascida na Moldávia – a república bem abaixo da Ucrânia – e criada no subúrbio de Salt Lake City, em Utah, nos Estados Unidos, Vlada foi trabalhar em uma fazenda legal de maconha na Califórnia, onde cultiva ervas e procura não pensar no amanhã

Ela estava certa. Parece estranho, uma moça que foi do frio da Moldávia para os Estados Unidos, tirando a roupa e mostrando as cicatrizes para a revista mais brasileira de todas, no meio de um deserto de sal em Utah, onde a cidade mais próxima é conhecida só pelos cassinos e pelas almas perdidas. Mas esse triângulo de países também faz sentido. Às vezes a gente recebe garotas na nossa vida que chegam com o vento, o short rasgado e as cicatrizes à mostra. Essas meninas são os melhores presentes.

Eu recebi a Vlada de presente da minha amiga Brandalynn, que era chefe dela numa loja que vendia cadeiras e espelhos fabricados na Índia. Brandalynn me mandou um e-mail com umas fotos do celular, pra eu ver a “linda nova copilota”. Conheci a moça uns meses depois, numa noite regada a gins-tônicas em Salt Lake City. Ela se enfiou na pia do bar só de bota para eu fotografar (a pia era bem legal) e colocou uma mão de manequim na cara só porque achou lindo. Ela me disse que gostava muito se ser fotografada. Eu pedi para ela ir para o salar comigo no dia seguinte. E ela foi.

Levou uma cadeira da loja onde trabalha para fazer uma instalação lá no meio do deserto. Dirigindo num pôr do sol absurdo de bonito, se arranhando com o sal e parando a cada 5 minutos para fazer xixi no meio do mato. Brincou, fez estrelas no mato, acendeu um beck dentro do carro, ficou rindo alto e sozinha. Mostrei as fotos para ela depois e ela quase não se reconheceu, de tão gostosa que estava. Ela é dessas.

A rotina dela: fuma maconha, cuida das plantas, anda na montanha, fica na paz

A história resumida da vida de Vlada: nasceu na Moldávia, no sul da antiga URSS, e se mudou para os Estados Unidos com os pais e a irmã mais velha, junto com o colapso da União Soviética, em 1991. Foram aceitos como refugiados e se instalaram primeiro em Nova York, onde morava parte da família. Um primo convenceu o pai dela a se mudar para Utah, porque Nova York não era uma cidade onde as filhas dele deveriam crescer. Mudaram-se para o tédio do subúrbio de Salt Lake City, uma decisão da qual seu pai se arrepende até hoje. Ela não sabia nenhuma palavra em inglês e foi conhecida como a “russinha estranha”, mas ficou fluente no idioma em poucos meses, apesar de continuar a ser chamada de russa estranha por todo o resto da carreira escolar. Nesse subúrbio de classe média, brincando com os amigos mórmons e assistindo a seriados antigos, teve uma adolescência turbulenta. Já foi parar na cadeia por alguns dias e ficou com tanto medo da experiência que nunca mais quis voltar. Formou-se em jornalismo na Universidade de Utah. Após uns bicos, começou a trabalhar na tal loja de móveis indianos. Mas ela tem fogo demais no rabo e começou a ficar inquieta. Como todo mundo que mora no meio dos Estados Unidos e fica inquieto, se mandou para o Oeste.

Através de uma amiga em comum conheceu o namorado, que é dono de uma fazenda legal de maconha na Califórnia, numa cidadezinha chamada Grass Valley, que faz jus ao nome. É realmente longe. Ele estava precisando de alguém para trabalhar na fazenda e ela se ofereceu para ajudar por um tempo, se apaixonaram e estão lá até hoje. Moram do lado de um lago na fazenda e trabalham na terra todos os dias com uma equipe pequena.

Toda manhã, faz suco verde. Acredita que, já que ingere tanta coisa boa através do suco logo cedo, pode comer o que quiser o resto do dia. Tem um jardim de inverno todo moderno, com plantas de maconha de todos os tamanhos e um jardinzinho de temperos (mas os temperos, ela diz, são “só de brincadeira”). O resto eles levam a sério. Essa é a rotina dela. Fuma maconha, cuida das plantas, anda na montanha, fica na paz. Não sabe o que vem amanhã e nem vê problemas quanto a isso. Menina surreal, menina dos sonhos.

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