Nem todos sabem que foi Aimé Césaire que cunhou o termo “negritude” em 1935

Todo mundo se lembra de profetas do orgulho negro, como Bob Marley, e de slogans, como “Black is beautiful”, mas nem todos sabem que quem começou esta história foi Aimé Césaire, que cunhou o termo “negritude” em 1935

“Eu chegarei elegante e jovem para esta minha terra e direi a esta terra cujo solo é parte da minha carne: ‘eu perambulei por um longo tempo e eu estou voltando para as tuas hediondas e abandonadas feridas’” Aimé Césaire, em Diário de um retorno ao país natal

Eu não gosto da palavra racismo por dois motivos. O primeiro é o óbvio: pelo que ela significa. E o segundo é porque penso que ela é incorreta. Ao descrever uma modalidade de preconceito, ela reitera a existência de raças humanas. O que é impreciso e sempre serviu aos racistas. Desde meados do século passado, a ciência aboliu o conceito de raças (que é o mesmo que subespécies) para os seres humanos. Nós pertencemos a uma mesma espécie (Homo sapiens) e a uma mesma subespécie (Homo sapiens sapiens). Devemos preferir os conceitos de etnia, língua, cultura e nacionalidade para nos diferenciar. O preconceito é óbvio, existe e persiste. No nosso continente, ele é principalmente voltado às pessoas identificadas como descendentes de escravos. O que faz (independentemente da ideia de raça) com que sejam absolutamente legítimos os movimentos negros e as ações de valorização da negritude e da ancestralidade africana. Afinal, como não reagir?

O conceito de negritude surgiu nas Américas, e não na África. Pois na África não existem negros, mas quimbundos, iorubás, hauçás, xosas etc., assim como na Europa não existem brancos, mas portugueses, alemães, catalães, suecos. Ao contrário do que se pode pensar, a negritude não é racista. Ela é a valorização do legado africano e a crítica da visão colonialista, mas sem, de forma alguma, afirmar a superioridade de uns sobre outros. Todo mundo se lembra de alguns dos grandes profetas do orgulho negro, com destaque para Bob Marley, e de alguns de seus slogans, como “Black is beautiful”, mas nem todo mundo sabe que quem começou esta história, pelo menos de um ponto de vista teórico, foi Aimé Césaire (1913-2008), que cunhou o termo “negritude” em 1935.

Revolução Haitiana

Falar de Aimé Césaire seria assunto para um livro, e não para uma coluna. Mas vamos lá. Nascido na Martinica, ele estudou na França e começou a ficar conhecido quando, como poeta, se ligou ao movimento surrealista e passou a ser admirado por artistas como Picasso e André Breton. Nessa época, ele publicou seu primeiro clássico, o belíssimo livro de poesias Diário de um retorno ao país natal (1939). Com a guerra tomando conta da Europa, Césaire voltou para a Martinica e, sem abandonar a poesia, passou a escrever ensaios de análise sobre o colonialismo e a situação dos negros nas Américas. Seus livros, como Escravidão e colonialismo (1948), estão entre as obras mais influentes das ciências humanas e da política anticolonialista no século 20.

O trabalho que Césaire escreveu sobre a história da independência haitiana, publicado em 1962, é outro livro essencial, por devolver o merecido destaque para a única revolução escrava bem-sucedida em nosso continente, que derrotou um exército napoleônico de mais de 40 mil soldados e criou o segundo país independente das Américas. Terminada a guerra, Césaire foi eleito deputado na França e, em grande parte por sua iniciativa, as até então colônias caribenhas, como a sua Martinica, passaram a desfrutar do status de Estados franceses. Ah, e ele foi também dramaturgo...

A defesa da negritude tem seu justo e merecido lugar no planeta. Mas isso não quer dizer que a ideia de que há diferentes raças humanas nos faça qualquer bem, seja de que lado venha. Não existe uma raça negra nem uma branca. Não se deve confundir desigualdade (que precisa ser combatida) com diversidade (que enriquece e melhora o mundo). Qualquer preconceito é, por definição, burro, daninho e empobrecedor. O que o mundo precisa é ficar mais inteligente, tolerante e divertido. Gilberto Gil cantou que a raça humana (no singular) é, ao mesmo tempo, beleza e podridão. Optemos, como Aimé Césaire, pela beleza.

*André Caramuru Aubert, 50, é historiador, editor e autor do romance A vida nas montanhas. Seu e-mail é andre.aubert@hotmail.com

Créditos

Imagem principal: Wikipedia Commons

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