por Paulo Lima
Trip #214

Os órgãos sexuais ainda são lugares proibidos sobre os quais a nação sensual e liberada prefere não falar muito

Há uma analogia curiosa – e bastante defensável – que explica o Brasil como nação, comparando-o a uma jovem na adolescência. Assim, ao mesmo tempo em que é sensual e atraente, nossa terra alterna situações em que é desengonçada, envergonhada e trapalhona. Toma atitudes e decisões destrambelhadas aqui e ali, mas segue seu rumo e vai crescendo mesmo assim. É esperta, surpreendente e ágil em alguns momentos, lenta, contraditória e titubeante em outros. Tem ímpeto e coragem, mas volta e meia sofre tombos e invertidas que doem e geram feridas difíceis de fechar. É possível que a tendência predominante de excessiva “genitalização” da sexualidade em nossos domínios tenha algo a ver com isso. Já falamos sobre isso por aqui. É como se todo o universo ligado ao amor, ao sexo, às relações humanas, ao prazer e à reprodução ficasse contido exclusivamente nas terminações nervosas desses côncavos e convexos localizados. Assim, entre outras consequências diretas da compreensão rasa e do equívoco, a simples menção às palavras pênis ou vagina já causa, quase invariavelmente, algum desconforto, risadas nervosas e a ânsia velada pela mudança de assunto.

Os órgãos sexuais ainda são as “partes privadas”, espécies de lugares proibidos sobre os quais a nação sensual, morena e liberada prefere não falar muito. Basta dizer que fomos convidados a não distribuir os exemplares desta edição da Trip com a capa que carrega a régua, em uma parte importante dos pontos de venda de revistas, por um único e exclusivo motivo: a palavra pênis aparece em destaque e teria sido considerada ofensiva ou inconveniente para os olhos dos clientes desses canais.

Nem a pau
Difícil encontrar argumento mais veemente para justificar a importância de uma edição inteira da Trip dedicada ao olhar desarmado e amplo para um dos maiores tabus do planeta. É verdade que, em algumas partes do mundo, a questão é abordada de maneira muito diversa. Já mostramos em nossas páginas, por exemplo, templos na Índia e em outras partes da Ásia dedicados à adoração do falo como símbolo do divino, da semente que gera a vida e perpetua a espécie. Quem já visitou o pequeno país chamado Butão, incrustado no Himalaia e espremido entre a China e a Índia, certamente se surpreendeu ao ver que, nas fachadas de quase todas as casas de família, há pinturas bastante realistas mostrando pênis eretos ejaculando, em geral sobre as portas ou janelas das residências. A imagem é entendida por lá como celebração da fartura, da perenidade da humanidade e da saúde plena dos moradores e dos visitantes.

Do lado de cá do mundo, porém, não estamos sozinhos com nossos receios e pruridos moralistas. Se vale comparar o Brasil com uma garota adolescente sensual e atrapalhada, talvez seja lícito traçar um paralelo entre países do Velho Mundo, como a Espanha, e aquelas senhoras entradas nos anos, que tentam se maquiar e se vestir como jovens, mas que, por mais recursos cosméticos de que lancem mão, não conseguem se ver livres das contradições entre suas mais entranhadas crenças conservadoras e o discurso moderninho que declamam.

Enquanto associarmos o falo a poder e comando na já capenga sociedade construída em torno da testosterona e enrubescermos diante de discussões sobre tamanhos e formatos, assistiremos a uma indústria pulsante e encorpada, que vai do humor à medicina, se alimentar das angústias e vergonhas geradas por essas compreensões estreitas e equivocadas. Basta ver, só pra começar, quantos milhões de mensagens eletrônicas com o título “enlarge your penis” são disparadas e recebidas por dia no planeta. Por isso tudo, talvez tenha valido a pena dedicar alguns meses à compilação dos artigos, fotos, vídeos, reflexões, curiosidades e ideias que você começará a ver a partir da próxima página.

Que sirvam para nos fazer pensar, varrer, arejar e abrir as janelas do quartinho escuro onde ainda ficam escondidas certas questões, em pleno ano cristão de 2012.

Paulo Lima, editor

P.S.: Em breve, a Trip chega à televisão. Logo você vai saber mais sobre esse projeto, acalentado durante anos, que vai nascer dentro de mais algumas semanas. Novamente fazendo força para escapar das piadinhas fáceis que o tema do mês enseja, esperamos que, como nós, você considere essa notícia “do cacete”.

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