Estamos no lucro?

por Paulo Lima
Trip #209

Paulo Lima: ”O dinheiro é uma energia como a água. É importante que venha de fonte limpa”

Proveito, ganho, avareza, métrica de competência, cobiça, satisfação pessoal, tempo extra de vida, usura, felicidade, vida à custa do outro, distribuição equilibrada, acumulação, progresso... Como sempre, nossa maneira de abordar o lucro, tema desta edição, procurou abrir o compasso na amplitude máxima e, mais uma vez, fazer jus àquele que talvez seja um dos melhores extratos para condensar tudo que fazemos por aqui: diversidade.

Pensar sobre dinheiro não é algo novo para nós. Há dois anos, por exemplo, além de falar sobre, ousamos dar dinheiro literalmente. Notas autênticas de R$ 2 foram coladas nas capas de um reparte dos 35 mil exemplares postos à venda em bancas e livrarias. A ideia era estudar a reação das pessoas diante do dinheiro real colocado num contexto de certa maneira irreal. As consequências e a repercussão foram interessantíssimas, já que convidávamos os leitores a fazer algo útil com suas notas de R$ 2 ou mesmo devolvê-las a nós, para que fossem investidas em projetos sociais confiáveis.

Um pouco antes, em 2005, trazíamos em nossas páginas, com boa dose de ineditismo, conceitos que já vinham sendo estudados por algumas das mais respeitáveis cabeças do universo acadêmico ao redor do planeta e que eram aplicados na prática em um pequeno país encravado no meio dos Himalaias e sobre o qual sabíamos (e até hoje sabemos) muito pouco aqui no Brasil. A noção de que o mundo implorava com urgência máxima por novos modelos de gestão de pessoas, comunidades, recursos e países, que levassem em conta na hora de definir e medir o que é desenvolvimento, algo além do infantil e precário conceito de Produto Interno Bruto, nos parecia já àquela altura algo evidente. Além de lançar uma contundente intervenção em forma de campanha que lançava a instigante pergunta “Você é feliz?”, tratamos de publicar, por seguidas edições, todo o conteúdo que conseguimos acessar, não só sobre o conceito de Felicidade Interna Bruta cunhado e praticado pelo governo do Butão (então visto com enormes reservas pelos economistas e observadores convencionais), mas inúmeras e variadas ideias sobre maneiras mais equilibradas e inteligentes de lidar com o futuro das grandes aglomerações de pessoas do nosso tempo e planeta.

É divertido e ao mesmo tempo alentador ver, poucos dias antes do fechamento da presente edição da Trip, cerca de sete anos depois de nossa primeira edição sobre o assunto, uma notícia ocupando espaço destacado na capa da edição dominical de 23 de março do jornal O Estado de S.Paulo:

“Índice vai medir felicidade do brasileiro: FGV-SP elabora a metodologia do novo índice, a Felicidade Interna Bruta; intenção é fornecer os resultados ao governo federal para auxiliar no desenvolvimento de políticas públicas”.

A Fundação Getúlio Vargas é considerada ao mesmo tempo um dos mais importantes centros mundiais de excelência nos assuntos ligados à gestão pública e privada e uma espécie de reduto da administração clássica brasileira, ligada aos grandes empresários e grupos nacionais. Ver uma instituição desse calibre e com essas características entender que o modelo antigo de compreensão do mundo é algo que ruiu e mover-se na direção do pensamento inovador é algo extremamente relevante e animador.

Talvez estejamos no lucro, porque iniciativas como a descrita acima apontam concretamente para mudanças de atitude importantes num mundo que, apesar de parecer ruir, aparentemente ainda não o fez de forma irreversível. Mas o fato é que, depois de tantos anos perguntando (como voltamos a fazer insistentemente na edição em suas mãos) às mais distintas fontes sobre suas maneiras de enxergar dinheiro, lucro, trabalho, felicidade e correlatos, vale repetir aqui uma analogia simples e precisa elaborada sobre a base do pensamento do budismo tibetano:

O dinheiro é uma energia como a água. É importante que venha de uma fonte limpa, que tenha seu curso garantido e respeitado, que possamos com nosso trabalho e nossas atitudes garantir que ela possa fluir naturalmente com vigor, irrigando todas as partes do terreno para que surjam frutos e alimentos para todos. E, principalmente, que não seja excessivamente desviada e represada, porque essa energia é muito forte e as consequências nesse caso costumam ser devastadoras.

Paulo Anis Lima, editor

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