por Arthur Veríssimo
Trip #195

Arthur Veríssimo viaja aos templos eróticos da Índia e se junta às oferendas a monges nus

Em sua busca insaciável por novidades sexuais, nosso repórter excepcional viaja aos templos eróticos de Khajuraho, na Índia, aprende a posição de rachar o bambu, surpreende-se com seu falo ereto enquanto apalpa estátuas e se junta às oferendas a monges pelados

Meus pensamentos e minha imaginação borbulhavam incandescidos no microscópico aeroporto de Khajuraho, na parte central da Índia. O calor massacrante e a fúria do deus Surya, o Sol, castigava o corpo e a ordem das minhas sinapses. O termômetro no veículo de nosso guia Nishank indicava 46oC no início da manhã.

Khajuraho é um pequeno vilarejo seco, poeirento, castigado pela falta de água e com pouquíssima vegetação. Nesse cenário devastado pelo calor, encontra-se o suprassumo dos devotos do tantra, do erotismo e da sensualidade: um conjunto de templos de mais de mil anos onde as pedras e as esculturas gozam de prazer e felicidade. Durante séculos essas maravilhas ficaram escondidas da fúria dos invasores muçulmanos pela vegetação espessa da floresta. Mas foram redescobertas em 1838 pelos colonizadores ingleses.

Hoje a floresta não existe mais. Tudo foi devastado, com exceção de algumas árvores. Dos 85 templos originais, construídos de 95 d.C. a 1050 d.C., foram preservados 22 – que, no meu entender, são o clímax da arquitetura religiosa indiana. O divino entrelaçado com o profano.

Zigue-zague

Na entrada do complexo, somos abordados por dezenas de guias. Todos são especialistas em Khajuraho e se expressam em muitos idiomas. Um senhor educadamente aproxima-se e começa a falar um português com sotaque mineiro. Sua aparência é enigmática, seus cabelos estão pintados com uma coloração de hena muito parecida com a cor cenoura mística que o mestre Silvio Santos incorpora – também conhecida por acaju. Gosto do seu estilo.

Mister Sangeet não se faz de rogado e se oferece para nos conduzir pelas alamedas que circundam os templos. Na caminhada, ele nos explica que cada templo foi erguido numa elevada e sólida plataforma de pedras e que pertencem a três seitas distintas (vaishnava, shaiva e jainista). Conectados, somos abduzidos pelo templo mais suntuoso do complexo: o Kandarya Mahadeva, dedicado a Shiva. Perco a noção de tempo e mergulho em um portal de outra esfera.

O templo tem um formato semelhante a uma cruz e está adornado com mais de 650 estátuas. As paredes externas são incríveis. Um desfile alucinante de bailarinas e ninfas celestiais (apsaras, surasundaris, alasakanyas) e uma abundância de cenas eróticas explodem por todas as paredes. As imagens desafiam qualquer julgamento preconcebido. A união entre o erotismo e a religião abundam por todo o complexo. Observo que as estátuas são sexualmente ativas, mas não estão obcecadas pelo sexo: nem contra, nem a favor. Tudo ali é desavergonhadamente terreno e infinitamente de outro mundo. Orgia voluptuosa.

A turistada invade o complexo. Fico imerso acompanhando os olhares e demonstrações de surpresa, alumbramento, desaprovação, vergonha, rejeição e muita risada. Um grupo de jovens indianos diverte-se com uma murada imensa onde as esculturas explodem em explícitas cenas de amor carnal. Pergunto de onde são. Todos estudam e moram na cidade de Bhophal.

O mais saidinho chega se apresentando. “Meu nome é Sundra e sou um especialista no Kama Sutra.” Gargalhada geral. Sem baixar a guarda, aponto para uma cena de coito em que homem e mulher estão entrelaçados e pergunto a ele qual é o nome da postura. Com cara de safado, ele exclama: “A postura chama-se zigue-zague, zigue-zague”. Depois das risadas, nosso guia Sangeet chama a atenção da rapaziada e, com muita propriedade, explica: “Essa posição encontra-se no manual Ananga Ranga e tem o nome de ‘rachar o bambu’. A mulher deita-se de costas, coloca uma das pernas sobre o ombro do amante e estica a outra, e assim alternadamente. ‘Rachar o bambu’ requer grande concentração para ser perfeita”.

O guru indiano Osho definiu esplendidamente o significado dessas imagens. “Nas paredes externas há esculturas com todos os tipos de posturas sexuais. Quando você começa a entrar nos templos percebe que o sexo se dilui. Casais ainda estão presentes, em profundo amor, olhando nos olhos um do outro, se abraçando, mas a sexualidade não está mais presente. Entre ainda mais no templo, e os casais desaparecem. O templo está completamente escuro, em silêncio, calmo e quieto. Não existe sequer a figura de um deus. A parte externa é um carnaval. O recanto mais íntimo é nada, é a meditação, é samadhi. Isso é o retrato de toda a vida do ser humano. Mas lembre-se: se você destruir as paredes externas, destruirá também o santuário interior. O centro não pode existir sem a circunferência. Eles estão juntos!” Nossa vida externa é recheada de sexualidade. Boicotar e rejeitar é para os pasteurizados e ignorantes. O tantra não rejeita nada e transforma tudo.

No templo de Lakshamana, as minuciosas esculturas parecem ter vida própria. Os frisos e as laterais possuem aspectos tridimensionais. As cenas de zoofilia e outras bizarrices deixariam o marquês de Sade espumando de felicidade. O xamanismo reverbera em cenas de rituais sexuais de fertilidade. A energia feminina, Shakti, está presente na essência e nas inúmeras faces das esculturas do complexo: tocando instrumentos, gozando, dançando alegremente ou simplesmente pintando os olhos ou penteando o cabelo.

Passo a mão sobre uma sinuosa estátua e repentinamente sinto uma baita energia rasgando minhas entranhas. Efeito Kundalini. Fico de fallus erectus diante das ninfas e da força magnética do templo. Sim, de pau duro. Êxtase em Khajuraho. Respiro profundamente e equalizo a energia em meu corpo.

Comida para o homem nu

Ao lado do templo de Devi Jagadamba vejo um casal de turistas ocidentais soltinho na marola e dando um amasso fortíssimo, quase indo às vias de fato. Na saída do templo sou surpreendido pelo mesmo casal, que, radiante, pede para que eu tire uma foto. São portugueses e vieram para Khajuraho passar sua lua de mel. Pergunto a eles sobre a energia e a beleza do local. Marília, a noiva sem pudores, destila que nunca na vida havia feito tanto amor com seu adorável Manuel. “Ora pá, isso aqui é orgiástico. Estou correndo para o quarto com o meu Casanova de Lisboa.” Na mesma vibe, Manuel exclama: “Vamos simbora, Marília, que quero engatar a posição da tartaruga”.

“Ora pá, isso é orgiástico. Vou correr pro quarto com meu Casanova de Lisboa”; “Vamos, quero engatar a posição da tartaruga”

Mister Sangeet me aguardava. Cheio de salamaleques, me passou uma sacola dizendo que o conteúdo iria me agradar. No hotel, após o banho e uma lauta refeição, fui ver o que tinha na sacola do gato Félix. O primeiro volume era um ilustrado livro taoista, Manual sexual da moça escura, com dezenas de gravuras e pinturas de posições sexuais. Depois puxo da cartola o misterioso Chandamaharosana tantra, um megatratado do século 9 em que são descritas 13 posições sexuais. Outro tratado taoista que ele me presenteou traz dicas como “Nove estilos de movimentar o Tale de Jade quando introduzido no Sulco Dourado”. Biscoito fino.

Na manhã seguinte, lá está mister Sangeet com seu sorriso brejeiro. Nosso destino é o setor dos templos jainistas, na parte sul de Khajuraho. O colosso mais importante é o de Parsvanatha. Não há nenhum tipo de manifestação erótica ou escatológica nos monumentos, devido à natureza ascética da doutrina jainista. Mas logo ali do lado enxergo um homem completamente nu. O único objeto que carrega parece muito com um espanador. Nossa guia Nishant esclarece que aquela vassourinha é para literalmente varrer os insetos pelo caminho. Um belíssimo grupo de mulheres vestindo sáris coloridos aproxima-se com cestas de comida para entregar ao homem nu. No local existem três monges que abdicaram de tudo. Diariamente é realizado um ritual em que as famílias jainistas fazem suas orações e oferendas. Existe uma cumplicidade secular entre as pessoas.
Uma das imagens que me deixaram mais intrigado no emaranhado divino de Khajuraho é uma série de esculturas de monges ao lado de ninfas tentadoras. Na mitologia hindu, abundam histórias de mulheres e divindades desafiando a castidade dos homens santos e ascetas. Para chacoalhar a arrogância, o magnetismo, a castidade e o poder desses monges, os deuses de tempos em tempos lhes enviam maravilhosas surasundaris e apsaras. E, na maioria das vezes, os santos sucumbem diante da sedução. As escrituras não mentem.

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Agradecimentos especiais: Arthur viajou com a operadora Latitudes “viagens de conhecimento” latitudes.com.br – Tel.: (11) 3045-7740

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