Cocô sustentável

por Lia Bock
Trip #185

Nossa colaboradora subiu no trono para mostrar que cocô pode ser solução e não problema

Nossa colaboradora subiu no trono para mostrar que nem toda merda é esgoto e que cocô pode ser solução ao invés de problema

Não é exagero dizer que vivemos mergulhados na merda. Não falo em sentido figurado, mas sim naquela que excretamos todos os dias. Chamemos aqui de cocô, para que fique mais agradável. Muitas vezes esquecemos, mas a massa que sai de nossos corpos é tão natural como nós.

O problema não é o cocô ser o que é, mas sim ser misturado à água da descarga e depois aos excrementos dos nossos vizinhos, do pessoal do bairro ao lado, de outras cidades... até virar, literalmente, um rio de merda. É nesse rio que chamamos de esgoto que estamos atolados. Para se ter uma ideia, 30% dos poluentes despejados no mar são esgoto. Pode torcer o nariz. Isso sim é nojento.

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Mas não estamos aqui para falar de coisas tristes! Me assumo embaixadora do cocô sustentável, coisa que não é apenas possível, como já existe há algum tempo e funciona muito bem. Passei um ano da minha vida morando no Ecocentro Ipec (Instituto de Permacultura e Ecovilas do Cerrado), em Pirenópolis, Goiás, onde todos os sanitários são compostáveis.

Ali os dejetos não são misturados à água e ainda, de quebra, viram adubo. Terra de onde nascem árvores, plantas e, por que não, comida. Nada mais natural. Para quem está com a testa enrugada, calma.

Eu garanto: os sanitários secos não cheiram mal e não são nojentos. O sanitário do instituto foi finalista do prêmio Tecnologia Social, da Fundação Banco do Brasil, em 2005. E, em 2009, recebeu o prêmio Finep de Inovação Tecnológica, do Ministério da Ciência e Tecnologia. “A sensação de qualidade de vida dá um salto quando podemos completar nossas necessidades biológicas sem a culpa de contribuir com um sistema falido”, diz André Soares, diretor do Ipec.

Tudo vira terra

Os sanitários compostáveis do Ipec são todos elevados, para que o compartimento onde as fezes e a urina são depositados fique longe de onde colocamos nossa bundinha – numa privada com tampa como qualquer outra.

São 2,4 m entre o fundo e nós. Essa câmara é em formato de rampa, toda vedada, apenas com um respiradouro (tipo uma chaminé bem alta) para que os gases saiam e o cheiro se dissipe no ar. A parte externa é pintada de preto e fica virada para o norte, super exposta ao sol.

O receptáculo esquenta e mata os patógenos – bactérias que fazem do cocô um risco à saúde. A 50 °C, os patógenos são aniquilados em um único dia. A 43 °C eles levam um mês para morrer. A câmara é fechada quando atinge sua capacidade máxima (a maçaroca ainda está lá embaixo, nem dá pra ver) e fica três meses em processo de compostagem.

Depois disso, o que sai dali não é mais excremento humano. É terra. Acredite. Para que esse material seja ainda mais valioso, passa pelo minhocário e, assim, vira húmus, um dos mais potentes adubos naturais.

No lugar da descarga usamos uma porção de serragem cada vez que acabamos de usar o sanitário. Ela ajuda a evitar o mau cheiro e a absorver a umidade. É assim que 14 litros de água (gasto médio por descarga, segundo a Sabesp) são economizados cada vez que uma pessoa usa um sanitário seco.

É assim, também, que devolvemos para a terra o que ela nos deu e fechamos um ciclo, que aqui, no reino do asfalto, nem lembramos que existe. Aqui, onde apartamento com vista para o rio de merda custa bem caro.

Vai lá: www.ecocentro.org

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