3 surfistas e um professor mostram em detalhe o que acontece no corpo quando pegamos onda

Já investigamos muito o surf como esporte, lifestyle, cultura... Mas ainda sabemos pouco do que o surf é como exercício. Munidos de um relógio cheio de recursos, um medidor de lactato e um professor de educação física de primeira, levamos três surfistas ao mar para entender melhor o que acontece no corpo quando pegamos onda

Qualquer caboclo sedentário, em qualquer academia de meia-tigela, hoje em dia consegue, em questão de minutos, descobrir minúcias sobre como seu corpo se comporta durante exercícios. São eletrodos, sensores de diversas ordens e funções, testes respiratórios e bioquímicos... uma longa lista de avaliações em tempo real que mapeiam com precisão literalmente clínica o que cada esporte do planeta representa no corpo humano. Acontece que plugar um atleta em terra firme é mole. Em piscinas, equipamentos especiais também processam testes sutis com nadadores. Mas, até onde sabemos, não existem estudos muito sofisticados sobre as consequências fisiológicas de uma sessão de surf. Achamos uma boa ideia mudar um pouco essa situação.

Convidamos Carlos Cintra, especialista em fisiologia do exercício e professor de pós-graduação da Universidade Gama Filho, para testar três surfistas de biotipos parecidos e níveis diferentes de envolvimento com o esporte. Foram sessões realizadas na praia de São Pedro (litoral sul de São Paulo), no mesmo dia, uma hora para cada um. O primeiro surfista a entrar na água foi David do Carmo, 25 anos, santista e surfista profissional. Ele é nosso “heavy user”, o que mais compete e pega pesado. Em tese o mais bem condicionado. Em seguida caiu Igor Morais, 24 anos, de Maresias, um free surfer profissional, patrocinado para surfar, mas sem a necessidade de competir. Depois, um surfista amador, o agrônomo Léo Manzini, que costuma pegar ondas duas vezes por semana.

SESSÃO PUXADA
Para medir o nível de esforço, o gasto de energia e que tipo de impacto o esforço de uma hora de surf causa em cada um, vamos medir a distância que percorreram, os batimentos cardíacos, a velocidade média e o nível de lactato no sangue antes e depois das séries. Lactato é uma substância que as fibras musculares produzem em maior quantidade quando fazemos uma contração muscular mais potente – por exemplo, quando o surfista dá uma batida forte com a prancha.

Carlos Cintra vai cruzar os dados de dois instrumentos para chegar a uma série de conclusões. Um deles é o Garmin Forerunner 305, um novo e sofisticado modelo de relógio que, além da hora, marca e grava batimentos cardíacos e determina com precisão a distância percorrida e a velocidade média através de um sistema de GPS. O outro é o lactímetro, medidor de lactato, que analisa gotas de sangue tiradas imediatamente antes e depois das sessões.

É evidente que um monitoramento mais sofisticado como os feitos em academias seria impossível. Computadores, eletrodos e a maioria dos instrumentos necessários ainda não estão disponíveis em versões à prova d’água. Mas perto do quase nada de estudos que temos depois de décadas de surf como esporte popular... é muito. “Vai ser bacana. Fazem isso com jogador de futebol e eu sempre tive curiosidade de ver isso no surf”, dizia Igor, atleta profissional que nunca soube como o surf é lido pelo seu corpo. David tinha outras expectativas: “Quero me conhecer mais, ver o que é necessário pra ter melhor desempenho”.

Cintra abriu seu laptop no porta-malas do carro e começou a colher alguns dados dos três. Altura, peso e frequência de treino. Em seguida, gotas de sangue e seus níveis normais de lactato. Tudo certo? Quase. O mar estava bem fraco. Ondas de meio metro, no máximo. Fator a ser considerado na interpretação dos dados recolhidos. Três horas depois, os números basicamente revelaram o quão puxada foi a sessão de surf para nossas cobaias flutuantes. E uma série de informações que revelam muito do que é o surf como atividade física.

A partir dos dados obtidos no teste, Cintra chegou às seguintes conclusões:

• Devido à grande variação de volume de treinamento que diferentes surfistas podem ter na mesma sessão, o gasto energético também pode apresentar grandes variações. Surfistas sentados na prancha no outside podem ter um gasto energético de 100 a 200 kcal em 60 min. No caso dos surfistas avaliados, o consumo de calorias foi de 808 kcal (David do Carmo), 730 kcal (Igor Morais) e 682 kcal (Léo Manzini). Para efeito de comparação, Cintra projetou o gasto calórico dos três em outras atividades. David consumiria em torno de 404 kcal em uma caminhada intensa, 1024 kcal em uma corrida muito rápida e 359 kcal em um treino de natação.

 

• Quando um surfista “de fim de semana” entra no mar de meio metro para fazer uma sessão de 60 min de surf, ele deve estar preparado para surfar pelo menos 4.000 m. Desse total, 7%, ou 280 m, serão surfados em onda e o restante 93%, ou 3.720 m, será remado. Isso revela como o surf pode ser um esporte “ingrato”. Como nas remadas há um esforço excessivo da coluna em hiperextensão, muitos surfistas apresentam problemas na região lombar e cervical. A melhor recomendação é que o surfista faça uma série de abdominais na areia depois da sessão com o objetivo de compensar o desgaste.

• Apesar de “ingrato”, o surf é um esporte completo. Trabalha força (necessária na hora de subir entrar na onda e desenvolver velocidade) e aumenta a capacidade de movimentação do corpo. A dinâmica da onda obriga a movimentos sutis e complexos, para que o corpo permaneça estável. O exercício desenvolve a propriocepção, que aumenta o gasto de energia no exercício e a qualidade dos reflexos.

Agradecimento: Roche

 

COMO FOI CADA UM


1 – David do Carmo – Sem dúvida o mais bem condicionado dos três. Acostumado com sessões muito mais longas, de até 210 min, e mais puxadas do que a média, seu organismo tirou de letra. O volume surfado e remado foi consideravelmente maior do que o dos outros dois. Isso se deve claramente à maior eficiência de seus movimentos. Seja pela técnica, que faz cada gesto do surfista render mais, seja pelo volume de treino que condiciona seus músculos a fazer os exercícios com muito menos gasto de oxigênio.

2 – Igor Morais – Free surfer que é, tem um surf mais calmo e seletivo. Gosta de ficar mais parado esperando a série no outside, escolhe melhor a onda. Mas, pelos resultados depois dos momentos de esforço, ele se beneficiaria com treinos mais puxados, que melhorassem sua resistência. Tanto que seus batimentos cardíacos ficaram na mesma média de Leonardo, e ele teve o maior pico de batimentos entre os três.

3 – Leonardo Monzani – Pegou uma condição de mar nada boa, mas seu treino foi forte. Sempre parece estar buscando diferentes posicionamentos para entrar em diferentes ondas, sem parar 1 min sequer. As mesmas características de David do Carmo, só que peca pela falta de volume de treino, por isso seu corpo sente mais, e o esforço se evidencia em todos os testes feitos.


Deslocamento na água


Treinador de pulso

 

Na avaliação dos surfistas utilizamos o relógio Garmin Forerunner 305 (R$ 1.265), com medidor de velocidade, distância percorrida por GPS e batimentos cardíacos – dados que podem ser transferidos facilmente a qualquer computador. O fabricante não recomenda a utilização do relógio no mar. Apresenta o modelo apenas como resistente à água. Carlos Cintra, que já havia utilizado o dito-cujo na piscina, arriscou seu brinquedinho e o levou à sessão. Funcionou, e o relógio não apresentou defeito algum nos dias seguintes. O fabricante, no entanto, oferece o Garmin Forerunner 310 (R$ 1.560), esse sim à prova d’água oficialmente. Mas que não inclui o medidor de frequência cardíaca, que não tem garantia de total eficiência em contato com a água. Quer um deles?

 


GPS Center Al. dos Jurupis, 452, conj. 104 B, Moema, São Paulo, tel. (11) 5051-8888


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