por Ricardo Calil
Trip #178

A herdeira de um império global de calçados está solteira e nua

Lá pelo meio de Meu nome não é Johnny, o trincado protagonista João Estrella (Selton Mello) tenta passar uma cantada numa morena espetacular durante uma festa em seu apartamento: “Você parece aquela atriz do Bonequinha de luxo. a Katharine Hepburn”. Ela corta: “É Audrey ­Hepburn”. “Ela mesmo, que fez aquele filme maneiríssimo, o Sabrina, com aquele ator, o Holden Caufield.” “É William Holden.” Ele tenta mudar a estratégia: “Peraí, você é bonita ou é inteligente? Porque você está me deixando confuso e eu não estou sabendo lidar com isso”. Aí a namorada dele entra em cena e acaba literalmente com a festa.

O personagem errou tudo: o nome dos atores, o xaveco batido, a ofensa indireta. Mas pelo menos escolheu bem o alvo: a morena em questão é interpretada por Lise Grendene, dona de um dos rostos mais interessantes a passar por um filme brasileiro nos últimos anos – com um tanto da delicadeza de Audrey Hepburn, sim, mas também com um certo exotismo conferido pela ascendência indígena e espanhola (por parte de mãe) e italiana (por parte de pai).

É uma cena pequena, a primeira no cinema de uma carreira que promete voos mais altos. Mas tem sua carga simbólica: como sua personagem, Lise é sempre tomada por alguém que não é. Ou por menos do que é. Sua luta diária é para não ser reduzida a estereótipos. Como o de herdeira patricinha, uma espécie de Paris Hilton brasileira – Lise é filha do gaúcho Alexandre Grendene, dono da marca de mesmo nome, uma das maiores fabricantes de calçados do mundo, com receita bruta de R$ 1,6 bilhão em 2008. Ou o de ex-namorada de galãs globais – como Cauã Reymond e Rômulo Arantes Neto.

“Meu pai é um self made man e passou isso para mim. Eu quero ser reconhecida pelo meu trabalho, pelos meus méritos. Por enquanto, meu sobrenome é um obstáculo, porque tenho que provar que vou além dele.” Quanto aos ex-namorados famosos, ela garante: “Eu não busquei os holofotes com meus relacionamentos. Pelo contrário, evitei associar minha imagem às deles e acho que consegui”. Aos 24 anos, Lise está solteira e diz que procura companheirismo, maturidade e química no próximo namoro. E sexo? “É fundamental, mas não é a base de uma relação.”

DRAMA SÓ NO TEATRO

Nas revistas de celebridades e sites de fofoca, Lise costuma ser pintada como uma jovem socialite que decidiu se tornar modelo. Para ela, nada mais longe da verdade. “Não sou muito chegada a badalações, passo o dia estudando interpretação. Fiz recentemente um curso na New York Film Academy e estou terminando minha formação no CAL (Centro de Artes das Laranjeiras), no Rio”, diz Lise, que recentemente participou da montagem de Morte sobre a lama, sua primeira peça profissional. Ela também esclarece que nunca quis ser modelo. “Como estava perto do universo da moda, foram me convidando para um desfile ou outro na adolescência e quando vi estava fazendo marcas famosas. Mas meu negócio sempre foi ser atriz.” Com medidas clássicas de top (1,74 m e 52 kg), ela nunca pediu para estrelar campanhas da Grendene – que tem Gisele Bündchen como sua garota-propaganda.

Apesar da família milionária, Lise conta que teve uma infância sem grandes luxos ou mimos. Com as viagens constantes dos pais (e o divórcio quando ela tinha 8 anos), a menina gaúcha foi criada em Curitiba pelos avós maternos – evangélicos que a faziam ler a Bíblia e frequentar a igreja –, época que ela lembra com enorme carinho. Aos 13 anos, ela foi mandada para um internato em Londres e voltou para morar com a mãe no Rio – já transformada em típica adolescente rebelde. “Eu queria ser punk numa semana e hippie na outra. Brigava com minha mãe o tempo todo, bebia de vez em quando”, ela lembra sobre sua fase de “experimentação”, que culminou com a batida de um carro que a mãe havia alugado em uma viagem a Miami. “Na verdade, eu entrei em crise quando comecei a questionar se queria ser atriz só porque minha mãe [Lisa Barros] também foi. Cheguei à conclusão de que era um desejo meu, não uma projeção dela sobre mim, e decidi: dali em diante, drama só no teatro.”

Da fase de rebeldia, resultou um maior entendimento sobre as escolhas de sua família (ela é o único fruto do casamento de Alexandre e Lisa, mas tem seis irmãos pelo lado do pai e uma irmã pelo da mãe). “É como naquela música do Renato Russo: ‘Você culpa seus pais por tudo, isso é absurdo, são crianças como você’. Eu vi que as pessoas fazem as coisas da melhor maneira que podem, mas nem sempre têm as ferramentas para acertar.” Mas Lise diz que essa aceitação não rima com identificação. “Eu me entendo mais com meus avós de Curitiba do que com meus pais. Gostava daquela simplicidade, está na minha essência.” Para seu primeiro ensaio sensual, que você vê nestas páginas, ela nem pensou em pedir permissão aos pais. Mas à Trip ela fez um pedido: “Quero que as fotos tenham a minha cara”. E qual é sua cara? “Simples e sofisticada.”

Créditos

Imagem principal: Claudio Carpi

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