por Luiz Alberto Mendes

 

Somos a soma do que nossas existências provocaram na vida, no mundo. Vivemos mergulhados no mistério e na miscelânea que somos todos. A outra pessoa jamais será o que nós projetamos dela. Sempre será diverso, múltiplo, como qualquer um de nós. Errei muito ao projetar o que eu pensava das pessoas que me cercavam.

Tenho um grande amigo, sem dizer nomes, que seria a última pessoa da prisão que eu achava que voltaria para ela. Afirmei, com todas as letras: "esse não volta mais", quando o vi sair em liberdade. O cara me parecia ser uma das melhores pessoas que conheci no mundo, embora estivesse preso. Acreditava que ele fora preso para desenvolver o que era ele mesmo. Amigo desses fiéis, capaz de ir até o fim conosco, por pior situação estivéssemos. Interessadíssimo em ajudar os outros e fosse quem fosse; não via realmente a quem. Dedicado, paciente, calmo, sempre tinha uma palavra de apoio, afeto e chegava junto. Naturalmente religioso, mesmo sem ter religião formal. Amoroso, gentil, educado, estudioso; a frase "tudo de bom" parecia ter sido feita para ele. Muitas vezes melhor que eu, eu o admirava profundamente. Éramos discípulos de um grande homem, Joaquim Alves e ele era, de longe, o aluno mais aplicado e amigo do nosso Mestre.

Pois é, depois de 6 meses, quando menos espero encontro-o de volta à prisão. E com seis processos de sequestro, um deles seguido de morte da vítima. Sequestro era uma modalidade de crime que repudiávamos pelo sofrimento causado às pessoas. Prender, torturar, fazer a família da vítima sofrer, considerávamos demais para nós que conhecíamos a dor tão intimamente.

Por outro lado, tenho um outro amigo que esteve preso comigo e que tinha até um apelido tenebroso pelos crimes que praticara ao ser preso. Sofreu muito, foi barbaramente torturado, tornou-se neurótico, depressivo e parecia extremamente vingativo. Foi meu aluno, compunha duríssimos textos que eu nem me atrevia a chamar de poesia. Depois o ensinei a ser professor e o vi alfabetizando com grande desempenho e competência. Imaginei, pela inteligência e cultura que ele desenvolveu na prisão e dada a periculosidade de seus crimes, faria miséria quando saísse. Coitadas de suas vítimas, pensei; vão pagar caro por suas dores. Pois o sujeito saiu, virou poeta, desenvolveu-se na internet, criou um site de poesia que grandes poetas da periferia postam seus textos. Hoje tem milhares de seguidores e amigos. É um sujeito muito querido, criou uma editora e promove novos talentos em saraus por ele organizados. Esta ai na internet contribuindo com um mundo melhor, criando belezas e reproduzindo amores. Uma  gratíssima surpresa que me enche de satisfação, por ter sido um de seus professores e ele haver me superado. Concluí, com seu exemplo, que a tristeza, o sofrimento e a depressão, são inquietações da alma sedenta por crescer, mudar, ultrapassar e vencer o tempo.

Aprendi, com esses e muitos outros ex-companheiros de sofrimento, a humildade de dizer que nada sei sobre pessoas. As possibilidades são tão vastas que qualquer projeção é, no mínimo, despropositada. Que mistério é a alma humana!

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Luiz Mendes

19/04/2015.

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