Esquecer ou Lembrar?

por Luiz Alberto Mendes

 

Seria melhor recordar e tornar sempre vivas as lembranças, ou esquecê-las? A sociedade esqueceu dos males que causei? Será que levam em conta que paguei e com a pena máxima do país? Não, em parte, e por isso o preconceito contra mim persiste, me tolhe, reduz e não me permite ir em frente, como eu poderia ir, em parte. Esse "em parte" é porque eu forço, me esforço e me empenho ao máximo, dai abro algumas brechas. Além do fato que tem muita gente que me compreende, me aceita e respeita minha luta, abrindo-me alguns caminhos, como aqui na Trip, por exemplo, onde já estou há 13 anos.

Para quem não sabe, o sofrimento não nos faz melhores, não nos faz mais humanos, muito pelo contrário. Nos torna revoltados e mais dissimulados, à espera da chance de pagar nossos opressores com a mesma moeda. Tanto opressores quanto oprimidos não saem desse embate limpos e ilesos. A dor e a violência não tem sentido algum na vida humana. A reflexão sobre os sofrimentos vivido ou impingidos, estes sim possuem uma luz que nos ilumina o fundo do túnel.

Esquecer talvez seja a única alternativa para se sobreviver ao sofrimento e se pensar em uma vida posterior menos infeliz. A busca de controlar os demônios do passado para conseguir influir nos acontecimentos do presente. Mas tem um problema; historicamente sabe-se que esquecer é dar chances de cometer os mesmos erros novamente. O que fazer? Sim, eu praticamente controlei parte de meu passado para poder viver melhor no presente. Esqueci a maior parte dos males que cometi (esses são mais fáceis). Esqueci parte dos 31 anos e 10 meses de prisão que cumpri, torturas, abusos policiais, espancamentos e sofrimentos que me foram impingidos. Hoje, se fosse escrever meus livros de memórias, não conseguiria mais aquela riqueza de detalhes. Lembro apenas parcialmente e vai sumindo cada vez mais. E não me vejo cometendo os mesmos erros do passado. Amadureci, cresci e não foi o sofrimento o responsável e sim a assimilação de novos valores em substituição aos antigos. Apesar de todas as barreiras e preconceitos, eu tenho prosseguido, mais lentamente, é bem verdade, mas ainda assim, prossigo.

Esquecer talvez seja a única alternativa para sobreviver ao sofrimento, mas não para transformar pessoas. Não posso negar que a sociedade, em parte (como eu), faz sua parte. Mas o ideal seria que ambos fizéssemos todas as partes, o que tornaria a existência muito mais produtiva para mim e para a comunidade. Futuro e passado não existem, existe apenas presente, mas como viver sem passado ou futuro? Sem memória perdemos o senso crítico e auto-crítico, a memória é nosso alicerce. Controlamos as escolhas, mas não conseguimos controlar as consequências, elas funcionam em encadeamentos de acontecimentos que fogem ao nosso controle. E o presente? É a vida, a existência real, palpável e inalienável, apesar e por conta de. Talvez a solução não seja esquecer ou lembrar e apenas e tão somente viver o que temos pela frente.

Feliz Ano Novo para todos!!!

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Luiz Mendes

01/01/2015.

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