por Luiz Alberto Mendes

 

Aqueles dois senhores aparentavam enorme distinção. Impressionaram vivamente a dona do escritório, que alugou para eles facilitando dificuldades. Aquele seria o escritório de uma empresa editorial. Pagaram todas as taxas e o aluguel adiantado, e na hora que assinaram o contrato de aluguel.

Os móveis chegaram dia seguinte. Mesas finas em madeira de lei, cadeiras giratórias confortáveis, computadores de ultima geração, carpetes e papeis. Operários trabalharam três dias para instalarem condicionadores de ar e deixar tudo em condições de funcionamento. Quatro dias após assinatura do contrato, o escritório estava totalmente equipado e em plena atividade.

Os dois senhores se instalaram em salas separadas, com suas respectivas secretárias. Nas paredes haviam quadros coloridos, tudo com aparência de novo e caro. Impressionava. As secretárias como que ornamentavam o ambiente. Lindas, escolhidas a dedo, muito bem vestidas e produzidas. Tudo ali cheirava propriedade, luxo e bom gosto.

  Nos jornais, revistas e em sites da Internet, já esta sendo divulgada a propaganda da empresa. Era uma idéia, até certo ponto, nova. Eles ofereciam, a quem se interessasse, toda estrutura de editoração, publicação e distribuição de livros. Claro, mediante pagamento pelos serviços.

  Novo porque seus preços eram economicamente viáveis a qualquer pessoa. Partiam do princípio de que muitas pessoas gostaria de escrever e publicar um livro. Todos achavam que os dramas de suas vidas dariam uma "novela". Fazendo preços compatíveis com o bolso de cada cliente (e esse era o segredo), teriam mercado para seu produto; tendo mercado o lucro seria consequência.

  Aquele era apenas o escritório. Pelas paredes havia fotografias em quadros mostrando a empresa em sua matriz. Enormes máquinas de impressão, muitos funcionários; o parque gráfico impressionava muito, tudo parecia firme e sólido.

  Em pouquíssimo tempo, começaram a afluir clientes. A sala de espera estava sempre cheia. Os empresários atendiam pessoalmente cada um dos possíveis clientes. As secretárias rodaram contratos em suas enormes impressoras. A idéia estava dando certo, a procura era significativa.

  Um programa da televisão sobre pequenas empresas e grandes negócios, veio fazer matéria com eles. A idéia parecia mesmo uma grande jogada. Muita gente desejava escrever seu próprio livro. Eles se comprometiam a apoiar na fase da escrita e nas revisões, com profissionais da área. Distribuiriam o livro para todo o país; mostravam rapidamente contratos com distribuidoras tradicionais no mercado. Julgavam que conseguiriam resolver todos problemas apresentados pelos novos escritores.

  Os preços eram convidativos demais, acessível a qualquer um. Facilitavam o pagamento sempre, tornando o livro do tamanho do bolso do cliente. Alguns clientes mais curiosos, questionavam sobre a margem de lucro da empresa. Como eles teriam lucro cobrando tão barato? Como sustentariam aquela infra-estrutura toda? Eles respondiam que, por enquanto não interessava lucros. Estavam construindo um novo mercado. Seria um investimento para longo prazo. Estava previsto operarem no vermelho nos dois primeiros anos. Queriam estabelecer uma marca e planejavam montar uma grande editora. Esparramavam, assim como fosse segredo de estado, que os investidores provinham de uma grande editora multinacional que estava entrando mercado nacional. E diziam que nunca tivemos tantas pessoas alfabetizadas, e que o Brasil seria o "boom" da literatura nos próximos anos.

  O único problema é que eles queriam boa parte do que cobravam, a vista. Diziam que precisava pagar papel, tintas, mão de obra especializada e mostravam planilhas de custos. Não poderiam acionar o sistema que criaram sem capitalizar. Pelo menos um terço do preço devia ser pago antes do início dos trabalhos. Mas aceitavam até menos. Sempre facilitavam negociações. Perderam poucos clientes por conta desse detalhe. Quase todos acabavam convencidos a investir. Ensinavam aos clientes a como obterem crédito junto a bancos e financeiras. O marketing deles era forte. O mais interessante era que davam o prazo de 120 dias, após a assinatura do contrato, para entrega do produto pronto e acabado.  Depois de pronto, havia a fase do lançamento. Cuidariam também da promoção do autor junto aos meios de comunicação.

  Foi nas fotos da parte física da editora que os clientes foram seduzidos. Sentiam segurança em algo tão concreto. Na assinatura do contrato, havia uma papelada enorme a ser assinada. Tudo assegurado, por uma das maiores empresas de seguros do país. O carimbo deles estava lá e todas as assinaturas com firmas reconhecidas.

  Tudo ali inspirava segurança e havia até algo de tradição no ar. Respirava-se prosperidade por todos os lados. Uma semana antes de vencer os primeiros contratos de 120 dias para a distribuição dos livros, as secretárias não viram mais  os patrões. Esperaram a semana toda pelo Dr. Nonato, o proprietário mais velho, e nada. Ficaram sem saber o que fazer. Então começaram a desconfiar de alguma coisa. O salário de toda equipe estava atrasado quase dois meses, queriam receber. Pensaram em fazer greve. A empresa teria enormes prejuízos, em época de lançamento, caso eles se recusassem a trabalhar. Houve quem questionasse se tal prejuízo não poderia "quebrar" a editora iniciante. Então, todos perderiam seus empregos; precisavam pensar melhor.

Quando os primeiros clientes vieram saber de seus livros, então tudo começou a ficar claro. E a cada dia apareciam mais clientes atrás de seus livros. Eram muitos os logrados. Aquilo era um golpe. As pessoas foram obrigadas a registrar queixa de estelionato contra os donos da empresa editora.

Descobriu-se então, que os nomes dos donos da empresa eram fictícios. Tudo ali era falso. As fotos da gráfica no interior do Paraná; os carimbos da seguradora; toda papelada. As contas bancárias da "empresa" haviam sido raspadas até o fundo. Tudo feito com muito profissionalismo.

Muita gente foi enganada na ilusão de tornarem-se escritores de repente. Trouxas querendo facilitações. Não sabiam que um escritor não se faz da noite para o dia. São preciso anos, décadas, uma vida toda de estudos e prática na arte, para se construir um profissional da área. Nada é assim fácil. Alias, nada que realmente valha a pena, é fácil. Tudo exige muito esforço, dedicação e perseverança. Principalmente determinação e vontade.

Era um golpe.

 

Luiz Mendes

   11/02/2000.                                                 

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