Vivemos de aparências

por Luiz Alberto Mendes

                

Vivemos em um tal mundo que nada, absolutamente nada, é o que parece ser. E agora estamos nos enganando, porque enganados já o fomos há muito tempo. Tudo parece já vir ‘malhado’ antes de nascermos, como protesta Cazuza. Todos representam papéis e isso é aceito com a maior naturalidade. Usam o termos ‘protagonizar’ no sentido de viver. Seria melhor que usassem ‘coadjuvar’, talvez fosse um pouco mais compatível com a realidade.

Ao sair da prisão fiquei muito confuso com ao tentar definir diferenças entre educação e demagogia. Estava grosseiro, seco, sem a mínima articulação social. Da prisão, trazia hábitos antigos. Por exemplo, para mim aperto de mão era reservado somente para amigos. Abraços então, era somente para ocasiões muito especiais. Na prisão isso de toque físico não é bem aceito. Há um certo preconceito, talvez oriundo do tempo em que a pederastia imperava.

A linha divisória entre amigo e apenas conhecido sempre esteve muito clara para mim. Amigo era compromisso. Era ele quem olhava suas costas para ninguém te esfaquear por trás e tinha obrigação de estar com você em todas as paradas. É óbvio que as traições ocorrem em todos os lugares e sempre ocorriam na prisão. Demorou para que aprendesse alguns aspectos da condição humana. Um deles, e dos mais importantes a saber, é que nós nos decepcionamos uns aos outros, necessariamente. Somos seres que falham. Que erram como própria condição existencial, mesmo porque é assim que as coisas funcionam. Ensaios, erros e fracassos, claro, algumas vitórias entremeando porque também ninguém é de ferro. É preciso vencer algumas vezes, precisamos de estímulos.

Vitórias, assim como derrotas, completas, não existem. Como poderia algo de absoluto em um mundo tão relativo? Somos frágeis e imensamente limitados. Só enxergamos porque existe luz. Percebemos, com nossos sentidos, apenas o exterior, a forma. Conteúdo é produto de dedução e indução do gênio humano. Se alguém ainda tem alguma ilusão sobre se o homem sabe o que esta fazendo, pode esquecer. Ele não sabe e nem desconfia até onde não sabe. Esperanças? Claro, também por ai é possível raciocinar. Sendo relativo para ruim, também não poderia deixar de ser para o que consideramos bom. O problema são os critérios. Se tudo é relativo, inclusive nossa capacidade de apreender o mundo. 

Estamos a falhar uns com os outros sem nos dar conta de que essa é uma prática comum, já consagrada, de relacionamento. Procedemos de modo a não responder ao que nos cobram, enquanto vivemos a esperar de cada um o que achamos que nos devem. Claro, quando queremos e nos esforçamos de verdade, conseguimos. A vontade humana é imperiosa. Mas não conseguimos manter. O ‘para sempre’, já dizia Zélia Ducan, sempre acaba. Com o tempo começamos a nos revelar tal como somos. Talvez por isso Lincoln afirmava, em outras palavras, que era possível enganar a alguns e até a todos, mas não o tempo todo. No tempo, claudicamos.

Nossa vida é uma vida de aparência. Quase tudo o que fazemos é para a aparentar. E isso é o que há de pior. Porque não passa de fingimento, mentira, em última instância. Aprendemos a viver mentirosamente já como prática educativa. Precisamos esconder, disfarçar e tentar, a todo custo, manter o padrão. O ‘politicamente correto’. Nos vestimos para aparentar. Hoje até comer o fazemos tendo em vista o brilho da pele, dos cabelos; a barriguinha emagrecida, peito e braços musculosos, por exemplo.

O prazer de comer, aos poucos, vai sendo substituído pelos valores estéticos. Acho até que tem funcionado, em parte. É inegável que as pessoas estão fazendo uma alimentação mais sadia por conta de suas vaidades e dos valores estéticos impostos pela mídia. Tem gente tomando comprimidos de todo tipo. Anabolizantes, sais minerais, suplementos vitamínicos, ferro, cálcio, betacaroteno, e mais um monte de besteira que os médicos, em geral, desaconselham. Eles são unânimes em afirmar que é da alimentação que o corpo extrai suas necessidades. Quase tudo que tomamos de vitamina sintetizada, sai na urina, muito pouco é aproveitado.     

Penso ao contrário disso tudo. Acho que esta mais do que na hora da gente rasgar a embalagem da vida para ver o que tem dentro. Extrair do coração os nervos e do cérebro o que há de mais autêntico, substancial e verdadeiro. Temos o direito, senão o dever, de desenvolver nossa originalidade. É preciso, antes de mais nada, transgredir, brigar com as rotinas e metas já traçadas; oportunizar nossos impulsos instantâneos e desejos submersos por dentro da pele.

Há quem diga que a vida poderia ser bem melhor se não houvesse tantos desejos. Eu já questiono se a existência não se tornaria insossa, raquítica, caso diminuíssemos desejos e vontades. Quanto mais desejos verdadeiros, nascidos das entranhas, das vísceras, mais vastidão. Quanto mais amplio a quantidade de meus interesses, maior e mais vasto me torno.

Vivo bélicos tumultos interiores. Tenho pressa em concluir, mas percebo o tempo buscando me desenvolver. Enquanto isso, sigo atropelando destroços, cego, rebelde, cheio de causas e histórias. Impossível mensurar, sinto-me território livre, terra de ninguém. Aprendi que somente nesse meu lugar interior a insanidade faz sentido e nunca serei achado porque não preciso aparentar.

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Luiz Mendes

30/07/2014.

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