Uma idea de injustiça

por Luiz Alberto Mendes

 

Injustiça

 

A injustiça, qual entidade viva, é dor que acaba com a gente. Sentimos que há algo de insólido no modo injusto como somos tratados por outros seres humanos iguais a nós. Dinheiro, poder e vantagens seriam motivos suficientes para sermos injustos com os outros? Sei que são. Caso contrário não teríamos uma sociedade excludente, desigual e tão injusta quanto a nossa.

Não encontrei nenhum outro motivo de viver senão em mim e nos outros. Vivi extremos em termos de relacionamento humano. Completa solidão isolado em uma cela forte e total compressão com mais 50 companheiros em cela minúscula. Guerras de vida ou morte; cheguei ao extremo de encarar homens armados de facas. Vivi afetos absolutos, amores infinitos e amizades eternas (que se findaram). E, após essa vivência além dos limites, concluí que sem os outros, viver seria pesadelo sem fim.

O poder corrompe, e o poder absoluto corrompe absolutamente, como queria um certo Barão, mas eu creio, sinceramente, que a falta dos outros corrompe muito mais. Nos torna selvagens, brutais, egoístas; voltamos à animalidade. É a convivência que nos torna humanos. É porque vivenciamos dores profundas que desenvolvemos compaixão para com a dor dos outros. É a convivência com os outros que nos faz amá-los, apesar de todas as fraquezas e limites deles e nossas. Amamos quando descobrimos em nós a fé nas outras pessoas, quando percebemos que eles são capazes do impossível, do inesperado. De ir além. Além comezinho, do esperado e nos surpreender com seu amor, seu desprendimento e sua admiração por nós.   

Vivi boa parte de minha vida me defendendo dos outros. Na prisão as relações eram aguerridas. Dá até tristeza lembrar: pena haver descoberto a importância dos outros para mim tão tarde. Schopenhauer dizia, em outras palavras, que a juventude é uma maravilha, mas achava uma pena ser gasta com jovens. Gostaria de ter tempo para reconstruir minha vida baseado na compreensão que hoje tenho da importância das outras pessoas na vida de cada um de nós.

A dimensão histórica precisa ser observada para que haja alguma compreensão de nosso momento atual. Nunca fomos tantos; nunca estivemos tão comprimidos; jamais passamos por tamanha quantidade e gravidade de problemas; não éramos tão complexos como somos hoje; viver não exigia tanto como nos obriga no momento; não existiam tantas opções, em todos os sentidos, como temos agora. Há mais um monte de motivos, mas não são desculpas para nosso comportamento individualista, inconsequente e desumano com relação aos outros.

Amo algumas pessoas e por elas faria loucuras. Por eles eu iria até o fim e deixaria para me arrepender depois. Sei que não é justo. Eles não são melhores que nenhuma das outras pessoas, todas sentem (psicopatas são exceções), pensam, sofrem e são felizes do mesmo jeito. Mas em não conseguindo amar a todos, construí uma hierarquia de sentimentos e estou aberto a acessos e decessos. Há os que amo e que além de amar sou responsável: meus filhos, por exemplo. Há afetos profundos e outros afetos; até meu cão esta envolvido. E vai descolorindo em degrade até o mais claro das cores que são aquelas pessoas que não conheço e nem sei se existem ou onde estão. Não conhecer não é o sinônimo justo de desconhecer. Desconhecer pode ser de não querer conhecer. Juro que faço tudo o que posso para tentar ser igual e compreender os motivos das pessoas. É certo que nem sempre consigo; meus limites são bem evidentes.

Parece que todo mundo aproveitou o momento plástico e fluídico em que vivemos para, efetivamente, mostrar suas mazelas e derrotas. Mas não é bem assim. Tudo o que ocorre tem uma história; o problema é que nós colonizamos o futuro em prol do presente. Comprometemos o futuro para beneficiar o presente. Sorte nossa que a vida não está sob nosso controle e é sempre surpreendente e inaugural. Senão, estaríamos a construir um futuro semelhante ao presente. A relação lógica seria buscar nas experiências do passado, conhecimento para fazer a base do novo que esta acontecendo. O novo inaugura novas estruturas, tudo inventado e de primeira mão. E o passado? O passado fez de nós o que somos: pessoas capazes de inventar, criar e escolher o que temos e o que teremos de bom ou de ruim.

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Luiz Mendes

18/04/2014.

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