por Guilherme Werneck

Autora do melhor disco de 2009, Céu fala de sua música e de como leva a vida no presente

É uma tarde de outubro de 2009. Me encontro com Maria do Céu Whitaker Poças, a cantora Céu, logo após o show do lançamento de Vagarosa, seu segundo álbum, em um apartamento em Pinheiros.

Céu abre um espaço na agenda para falar com a Trip. Mas está com pressa. Logo mais, ela embarca para a Europa para promover o novo trabalho. "Por lá toco em lugares bacanas, pequenos mais legais. Sou considerada uma cantora de jazz".

É uma visão curiosa dessa cantora que transcende rótulos. Desde o álbum Céu, lançado em 2005, ela trafega por vários estilos. Mais do que isso, trabalha para embaçar a fronteira entre gêneros. O que fica claro em Vagarosa, considerado o melhor disco de 2009 em uma série de listas da imprensa especializada.

O segredo de Vagarosa, que não deixa de ser o de Céu, é saber que as coisas têm peso, volume, lugar. Em cada faixa do disco, mais do que cantar bem, ela busca o canto exato, sem arestas, sem excessos. Também na produção. A música não é aquela que se pauta pelo virtuosismo. Sua virtude justamente é a de deixar as texturas respirarem, deixar que os instrumentos conversem, prestar atenção às dinâmicas e aos espaços.

Talvez essa sabedoria tenha sido aprendida em casa com a mãe artista plástica - Maria Carolina Whitaker, a Carolina Carol Bela de Jorge Benjor - e com o pai, o produtor musical Edgard Poças.

O certo é que vem da convivência com os amigos músicos. A lista é grande, mas podemos começar com seu marido Gui Amabis. A mesma convivência que acaba preenchendo os espaços de Vagarosa, seja com uma parceira com Fernando Catatau, do Cidadão Instigado, com BNegão ou com Los Sebosos Postizos. É um senso de comunidade que está totalmente alinhado com a melhor música feita em São Paulo nos últimos anos.

É por ter esse respiro e por falar intimamente de assuntos tão universais, de uma maneira tão particular, que Vagarosa é um disco que salta no presente. É um disco para ser ouvido aqui e agora.

Assim como Céu, com seu pé no chão, com seus ouvidos atentos, com sua preocupação com a maternidade, com o presente, é uma pessoa para ser ouvida agora. Então respire fundo e leia os melhores trechos da entrevista.

 

A turnê do Vagarosa começou pelos Estados Unidos. Como foi?
Foi muito legal, eu curti muito. Porque passou um tempão [desde a última apresentação nos EUA] e eu não sabia como ia estar o público, se ia ter gente, interesse... Esfria, porque tem muita coisa acontecendo por lá. E foi legal, foi surpreendente, rolou. O show era um pouquinho diferente do que o que eu estou mostrando aqui, mais curto e com menos gente, é só aquela banda "Na raça produções". [risos]

E o repertório é quase todo o Vagarosa e um pouquinho do primeiro disco?
É, o Vagarosa está quase inteiro. Mas "Vira Lata", por exemplo, é uma música difícil de colocar em show, por causa do cavaquinho excepcional do Rodrigo [Campos], que é absurdo. O Gui, que toca teclado e é um geniozinho, até se arriscou, mas realmente a pegada do Rodrigo é única... Então a gente não está fazendo ela no show.

Como foi o processo de gravação de Vagarosa? Porque embora seja um disco muito coeso, ele parece ter sido gestado em várias partes, com cada música pedindo uma turma diferente.
Eu tenho um gravador tipo esse [aponta o IC recorder do repórter], e ele me acompanha. O que torna difícil dizer exatamente onde começa. Porque tem várias idéias, vários versos e melodias que precisam de tempo. Mas na verdade Vagarosa foi mais sucinto que o primeiro. O primeiro foi um parto. Demorou para saber se não era loucura eu sair compondo. [risos] Vagarosa foi mais na raça. Eu estava grávida, superbarriguda, e trabalhei bastante. Mas quando ela [Rosa Morena] nasceu, fiquei pelo menos uns seis meses só com ela. Depois voltei para o estúdio. No final, nem foi muito tempo de estúdio com o Vagarosa, deve ter sido uns quatro meses. Na verdade é bastante tempo né? Mas é que no primeiro foram uns mil anos, porque tive que ficar na entressafra da publicidade, gravando quando o Beto [Villares] podia, quando não sei quem podia... Acabaram sendo três anos de estúdio.

E como foram surgindo as músicas do disco?
Tem uma hora que você cansa de tocar as mesmas músicas. Daí eu comecei a buscar outras coisas. Vai nascendo uma sensação de "agora eu preciso ir para esse lugar", e isso vem em forma de sonoridade para mim, textura, melodias... e eu vou anotando.

É, eu sou uma hippie envergonhada. [Risos] Não. Eu sou hippie.

Uma coisa que eu sinto, escutando os dois discos, é que a produção do segundo é muito mais fluida. O primeiro é mais fechado, parece que algumas músicas estão presas a um conceito. Você sente um pouco disso?
O primeiro foi mais tenso mesmo. Você tem uma postura para se sentir produtora. Eu sei muito bem a sonoridade que eu quero, mas principalmente eu sei o que não quero. Ainda mais porque eu era mais menina, menos experiente.

Como você chegou no Beto [Villares, produtor do primeiro disco]?
Quando estava em Nova York, eu conheci o Antonio [Pinto] e o Tejo [Damasceno]. Eles ficaram na minha casa, dormiam em um colchão, e a gente começou a fazer música... Voltei para o Brasil com essa ideia, vou fazer uma banda! Não queria ser cantora. Quando eu cheguei, o Antonio tava enrolando, fazendo trilha, ia fazer Cidade de Deus, e o Tejo estava com o projeto dele. E o Antonio me falou: você devia conhecer o Beto. E o Beto me chegou como o cara que tava fazendo Música do Brasil, um projeto que eu queria ter feito. Era meu sonho de vida fazer isso.

E ele volta agora nesse segundo disco, né?
Sim, mas ele tava enrolado com o CD da Zélia Duncan, no mesmo momento. Então, teve muito do Gui Amabis e do Gustavo Lenza.

Tem uma coisa que a crítica rotula de síndrome de segundo disco. Um pânico, um medo de fazer. Que é pior quando o primeiro disco tem uma repercussão boa de critica. Você passou por isso?
Eu observei que existe uma pressão forte, óbvia. Porque realmente o meu primeiro teve um alcance que eu não imaginei, que foi surpreendente, no mínimo. E aí você fala: e agora? Eu tentei encarar o que fazia sentido novamente. Qualquer outro tipo de atitude ia virar um golpe, e um golpe, para mim, tem perna muito curta. E eu quis ser honesta comigo. [Vagarosa] É um disco importante porque é um disco de reafirmação. Um disco em que você vai contar quem você é. Primeiro, você vem do nada. E ai você pode ter tudo...

E você chegou pensar em produzir o disco?
Não. No Vagarosa até rolou de eu usar o Garage Band, que é um programa muito tosquinho. "Bubuia" foi até curioso, porque eu tinha feito essa letra e uma levadinha tipo "Naya Bingi", bem tosca. Eu queria uma coisa de Bingi com índio. Essa coisa de índio eu sempre quis desde o primeiro disco, mas sem ficar hippie total.

Você é uma hippie envergonhada?
[Risos] É, eu sou uma hippie envergonhada. [Risos] Não. Eu sou hippie. [risos] Porque é engraçado, pensa bem, por que eu procuro som de índio? É a ligação total com a natureza.

No final, a música tem o som da Amazônia.
É, tem. Eu queria trazer isso. Sou de São Paulo, eu nasci aqui. Por que eu procuro isso? Porque eu tenho necessidade disso. De me recarregar.

Você é do tipo que toma banho de cachoeira e se sente recarregada?
Eu me sinto muito melhor... Eu tenho um amigo que tem uma casa no sertão do Una, que eu freqüentei por anos; para mim lá é o lugar mais incrível da história dos lugares. Ali tem uma coisa de recarregar que eu acho demais. É daí que vem meu lado hippie. Mas eu esqueci porque eu tava falando disso mesmo...

O Garage Band...
É! Aí no "Bubuia" eu fiz. Mandei para o Gui e ele falou: "Cara, eu tenho uma base que cabe exatamente no que você fez". O meu era só uma voz, e nada, ou seja, ele fez todo o resto de "Bubuia" que está no disco.

Aliás, o que é Bubuia? [risos]
Bubuia é um termo do norte do Amazonas que eu ouvi. Minha mãe falou um dia: "Vai na bubuia". Bubuia é borbulha, como a borbulha vai nas ondas, ela é grande, ela é baixa, ela passa. É uma gíria para "Vai tranqüilo".

E o dub como é que entrou no Vagarosa?
Eu sou super fã do dub, super fã das músicas da Jamaica. Não só das mais conhecidas do Marley e tal, mas também dos lados Bs, de coisas bem antigas, do Studio One. Uma coisa que eu procurei, por que estava sentindo muita falta, era de uma pitada de letargia, sabe? Muito pelo que eu estava vivendo, pela intensidade das coisas, pelas coisas que eu vejo no mundo... hoje em dia que eu acho que está tudo um pouco bagunçado.

A gente vive um tempo dos mais acelerados, de excesso de informação, de trânsito de cidade maluca... E de repente Vagarosa tem esse sentido de puxar um pouco o freio.
Exatamente, é essa a minha sensação. Eu queria ir para esse lugar, e naturalmente, eu nunca pensei em um conceito. Tipo: vai ser sobre isso. Porque música para mim vem de um lugar muito instintivo. Nem sou boa nessa parte, vamos dizer, racional da música. Quando eu notei, todas as melodias e sonoridades estavam mais nesse campo que a gente acabou de falar, que é esse pé no freio. E o dub me traz isso. Então tudo fazia sentido.

E você toca o que para compor?
Eu não toco nada. Eu crio a melodia toda e geralmente eu procuro os acordes no violão e no piano. Teve períodos que eu fazia ao contrário, ia no violão e tudo... Mas, cada vez mais, está indo para essa coisa da voz mesmo. De escutar instintivamente e daí procurar. Acho que meu instrumento é minha voz mesmo.

E as letras?
O Vagarosa fala muito sobre uma espécie de auto-revolução através do amor; é uma coisa meio hippie, mas era o que eu estava sentindo. E tem também a maternidade. Falo muito sobre a preguiça, a leseira, o ato do bocejo, atos que transmitem. E a sensação amorosa é algo que pode ser transmitida, e, se assim for, acho que pode fazer muito bem para todo mundo. O Vagarosa conta um pouco disso, tem "Cangote" que fala disso, tem a primeira música, que fala "Sobre Amor e Teu Trabalho Silencioso".

"de repente, com essa maturidade que você tem, que você tem que encarar, acaba acontecendo uma coisa libertadora. Porque eu fiz uma filha, tenho capacidade de fazer várias coisas"

E esse amor não é só entre homem e mulher, né?
É, é o amor universal! Em "Cangote" é o amor de homem e mulher. "Sobre amor e Teu trabalho Silencioso" vem desse amor, mas vira para o universal. E acho que, na verdade, a "Bubuia" também fala um pouco disso.

E sua filha Rosa Morena? Como entra nesse processo?
Ela me ensinou muito, e ainda me ensina.

Ela está com quantos anos?
Um ano. Não foi uma coisa que eu programei, aconteceu. E veio muito bem-vinda. Foi tudo de bom, e muda tudo, realmente! Não é clichê. Tem uma coisa que eu senti forte: ela é a prioridade, sabe?

E tem uma coisa de "puta, agora tem que virar adulto"?
É, não tem mais conversa. E isso é muito bom, é libertador! Porque tem muita gente que acha que a liberdade da adolescência é que é incrível. Mas, de repente, com essa maturidade que você tem, que você tem que encarar, acaba acontecendo uma coisa libertadora. Porque eu fiz uma filha, tenho capacidade de fazer várias coisas.

Quando você viaja, ela vai junto?
Vai. Agora teve uma primeira que ela não foi, que foi para os Estados Unidos. Ela não foi por causa da gripe suína, eu fiquei encanada. Mas ela vai para o Nordeste, João Pessoa, Fortaleza...

E como são os lugares onde você toca lá fora?
São lugares muito legais. Desde 2005 a gente vai, volta... Assim eu fiz muito festival de jazz. É curioso, porque aí eu vou e viro jazz lá fora... Mas, fiz desde lugares super pequenos, minúsculos...Lembro de um lugar na França que era dentro de uma caverna, só de som jamaicano. Então a gente toca nuns redutos bem diferentes. Agora, nessa turnê eu nem sei direito; acho que são lugares pequenos.

Hoje o que vale é o show. Disco acabou como fonte de receita. É como um brinde. Você pensa nessas novas relações? No MP3, na falta do disco?
É o show, né? Não tem jeito. O meu disco vazou rápido. E eu também liberei umas faixas na minha comunidade do Orkut. Não era uma coisa para se falar, mas eu falei. Porque é o seguinte: lá nos EUA eu consegui um lançamento, aqui eu ainda não sabia qual ia ser o esquema de distribuição. Lá já ia ter, e aí vazou! O pessoal pergunta: e você ficou chateada que vazou? Não. Existe distribuição melhor do que essa? É incrível, na verdade, não tem mais jeito, não dá para lutar contra isso... E outra coisa: eu acho que artista já ganhava muito pouco com venda de disco - a não ser que vendesse milhões.

O Vagarosa transpira um sentimento de contemporaneidade. Ele realmente tem o tom de 2009, com as questões de 2009, com a urgência de hoje. E uma coisa muito legal é que ele é feito em rede, buscando parceiros. Como é que você desenvolveu uma relação com esses parceiros que estão no disco, como o [Fernando] Catatau, o BNegão, o Rodrigo Campos?
Eu acho que é uma coisa minha, de raiz, da minha relação com a música. Porque música para mim é respiro, é liberdade. E, tipo, competir através dela com outras pessoas, é uma coisa que existe e é o que é. Já passei da fase de contestar isso. Mas só me mostra cada vez mais o quanto a minha relação com a música é de liberdade. Sendo assim, acho que São Paulo está abrigando muita gente, não só daqui, mas do Brasil todo. E eu estou muito feliz de estar vivendo nessa geração, porque tem muita coisa boa.

E tem o sentimento de geração, né? O Romulo Fróes tem um pensamento interessante sobre isso. Ele aponta com muita propriedade que essa é uma geração que não tem uma questão de homogeneizar o som, não é uma geração em que todo mundo pensa igual. Mas uma geração em que todo mundo se ajuda. Tem um pensamento de colaboração, de ajudar a melhorar o trabalho do outro, que é muito novo...
É verdade. É uma coisa de tijolo a tijolo, vamô aí! E eu quis isso desde sempre. Tem a ver com minha relação com a música, mas também tem muito a ver com as minhas escolhas de gravadora. Atualmente estou só na Urban. O meu disco é uma junção de parcerias de micro-selos, sempre distribuído por uma major. É até engraçado, porque sempre leva o nome da major. Parece que eu estou na major. Mas na verdade são formiguinhas. O que eu acho muito bonito de hoje também é isso, sabe? Voltar para o trabalho artesanal. O presidente da minha gravadora, que é o André [Bourgeois], acorda de manhã e eu sei que ele vai pensar: "O que eu vou fazer para deixar mais legal esse negócio?".É a sensação do coletivo, de todo mundo trabalhando junto, porque a coisa fica mais legal. Trabalhando, assim, de uma maneira bacana, com carinho.

E você chegou a ser assediada para ser uma artista de major, ou não?
Cheguei, estudei super as idéias, quase fui... Acho legal. Não estou levantando bandeira "sou contra major", de jeito nenhum. Mas é que eu estava tão feliz com a maneira como está rolando que acabei não indo.

No seu som a gente ouve soul, um pouco de R&B, samba, bossa, dub... Como é sua formação musical?
Eu atribuo muito à minha família. Meu pai, minha mãe... Meu pai é músico [. Ele é a música personificada. Sabe aquele cara que é super ermitão, na dele... Ele que me ensinou a ouvir Garoto, Pixinguinha, [Ernesto] Nazareth, Clementina [de Jesus], João Gilberto... coisas primorosas. E ele é um sujeito difícil [risos]. A gente teve uma educação de certa maneira rígida. Embora ele sempre tenha falado: "Não vai fazer faculdade, nada. Quer fazer música, então vai tocar!"

"a música do Brasil é a mais maravilhosa do mundo (...) Eu tinha um certo tabu. Como eu vou pegar e escrever um negócio? Daí eu disse: vou sim, é democrático. E criei coragem"

Foi aí que você foi para Nova York, com seu pai dando corda?
Foi. Meu pai meio que se assustou. Eu fui quando tinha 18 anos, queria me soltar no mundão um pouco...Tenho essa ligação com a cultura da voz, do jazz, sempre curti.Queria descobrir qual era essa escola. Não tanto a do R&B, mas a do jazz mesmo!

Quando penso em R&B, penso no mais antigo, que é mais próximo do jazz...
Exatamente, eu sempre achei lindo. Foi nessa época que eu conheci Erykah Badu, que é uma grande influência para mim. Escutei muito, escuto muito... E vendo essas meninas cantarem e escreverem, eu falei: Nossa, rola de fazer isso, né!? E eu nunca achei que fosse fazer isso.

Temos uma geração de ótimas cantoras, mas uma das coisa que te distingue muito é o fato você, além de ser uma cantora com uma super voz, fazer suas músicas, se colocar...
Porque é possível! Tinha uma coisa minha de mistificar o compositor, de achar coisa de gênio. Porque a música do Brasil é a mais maravilhosa do mundo. Amo a música cubana, da Jamaica, jazz. Mas, cara, a música do Brasil é todo mundo agora...Eu tinha um certo tabu. Como eu vou pegar e escrever um negócio? Daí eu disse: vou sim, é democrático. E criei coragem.

Agora, uma curiosidade, quando você era pequenininha, seu pai tava fazendo Balão Mágico, né?
Sim, sim, sim! Balão! E eu fazendo coreografia...

E você nunca correu o risco de parar no Balão Mágico?
Nunca! Meu pai não queria de jeito nenhum que eu fosse para aquele mundo, porque ele conhecia de perto, né? Era um mundo cruel, as crianças gravando até altas horas. Aqueles anos 80 bombando... Imagina: o império da gravadoras, o império Rede Globo, glamour e tudo, contrato daqueles absurdos. Eu me lembro muito do meu pai falando: "Como essa menina é talentosa [a Simoni]. Ela canta muito, que afinação incrível, ela pega de primeira a melodia e tudo." Mas, enfim... era cedo, digamos assim.

Eu ouvi dizer que quando criança você que você desenhava pra caramba. Verdade?
[Risos] Não! Não era pra caramba!

Não puxou sua mãe artista plástica?
Minha mãe é artista plástica, faz umas esculturas, umas coisas para cabelo, coisas que eu já até usei em show, vai fazer agora uma exposição e está indo super bem. E os meus irmãos também têm uma coisa com teatro, irmã artista...Eu gostava de desenhar, mas não desenvolvi. Então, hoje em dia, imagina. Não tenho traço, não!

Você interrompeu os desenhos para se dedicar à música?
Foi. Como não tenho faculdade, quis ter essa disciplina...

"Cada um faz a sua sem dar muito pitaco. A gente passava um negócio para o outro, que passava para outro e aí...  tinha um disco"

E com quantos anos você teve essa virada?
Com 15 anos. Até então eu gostava de desenhar mesmo! Chegava em casa, ficava desenhando. Gostava muito de copiar, fazer desenhos de fotos, desenhava as pessoas. Mas não me dediquei.

E o amor? Seu marido, Gui Amabis, também é músico. Mistura tudo?
Bom, foi ele que produziu o disco; então, sim. Acho que tem a ver, tem uma afinidade musical forte. Claro que mistura. E a gente fez o Sonantes, que é um projeto que não foi lançado aqui ainda, que sou eu, o Gui, o Rica [Amabis], o Pupilo e o Dengue. É um projeto meio na louca, a gente não sabe ainda o que vai dar.

E por que não chega aqui?
É porque a gente não correu muito atrás ainda e ninguém se mostrou muito interessado em lançar. Ficou uma coisa assim meio, todo mundo doidão. Cada um faz a sua sem dar muito pitaco. A gente passava um negócio para o outro, que passava para outro e aí...  tinha um disco. A gente adora o disco. Mas não rolou ainda um negócio aqui no Brasil ainda.

Mas ele já vendeu lá fora...
Vendeu! Vendeu, na França, nos Estados Unidos; mas aqui ainda vai rolar.

E o Negresco Sis?
Eu e a Ne [Anelis Assupção] somos super amigas, e a Thalma [de Freitas] eu conheci depois, na época do 3 na Massa. Nós pensamos de jeito muito parecido. A Thalma vive no Rio, então a gente se vê menos. E a gente tem um pensamento na música que é o seguinte... ser backin' [vocal] é muito gostoso e você não tem aquela responsa de estar lá na frente, ter de segurar um show. É mais uma sensação de musicista, sabe? Me faz muito bem, a gente compartilha esse sentimento... Às vezes, para prestar um serviço, é uma delicia, como musicista mesmo. E aí a gente brincou disso... Foi o Rica [Amabis] que deu o nome: duas pretas e uma branca. [Risos] E a gente achou ótimo.

Eu vou fazer uma pergunta mais difícil. O Vagarosa é bem maconheiro...
Que pergunta! Me persegue essa pergunta!

É um disco em que você entra numa vibe boa...
É que eu acho que a maconha...a vibe, amplifica essa coisa de sentir, de textura...e nesse sentido eu concordo com você.

Tem um pouco da Jamaica também, né?
É, sem cair no estereótipo, é isso mesmo...

Como é sua relação com drogas e afins?
Olha, atualmente, nenhuma. Mas eu já experimentei...Acho importante, acho interessante o assunto. Um cara que eu já li bastante, por exemplo, é o [Carlos] Castañeda, que fala muito sobre isso. Eu acho que, na verdade, a grande loucura hoje em dia é você tentar manter o pé no chão.

Isso vem um pouco da maternidade?
Pode ser, pode ser... É difícil, por causa do que a gente falou: está tudo muito corrido, muito chato, muito trânsito, desânimo com os governantes. Passam as gerações e é a mesma coisa. É mais fácil você usar algum tipo de artifício para ficar mais feliz. Mas acho que um desafio grande é tentar ficar mais centrada. Acho que a grande dificuldade de hoje é fazer o negócio rolar legal e tentar me manter sóbria, tentar achar um caminho espiritual. Eu super tento achar o meu.

No disco aparece isso, você fala de vida após a morte. Quais são as suas preocupações espirituais? Em que você acredita?
Eu não tenho religião, nenhuma. Eu apenas acho que o gesto pequeno, ele reverbera para sempre. Essa sensação já é complexa, porque eu não sei até quando vai reverberar. O trecho da vidas após a morte é da Ne. Mas eu de fato não creio que para por aqui. Mas não sei o que acontece.

Você é uma pessoa intuitiva, mais do que racional?
Exatamente, eu sempre fui muito intuitiva e instintiva. Isso já é suficiente para mim.

E como são seu planos? Vai fazer mais show no Brasil, ou já vai começar a compor de novo?
Não sei o futuro. Eu vivo muito o presente. Isso é legal para mim, mas para quem trabalha comigo geralmente é uma merda. Mas eu vou tocar bastante o Vagarosa. Tocar mais no Brasil, estou super feliz com a formação da banda, de poder tocar em Belém, que é um lugar que nunca fui com a banda. Mas quero, de repente, já começar logo outro projeto, não demorar tanto.

Como é sua relação com a internet? Você usa? Baixa música?
Mais ou menos. MySpace eu usei muito, agora não uso mais. Virou um negócio muito grande, deu uns problemas... Entrou hacker na minha conta, colocou gravações do meu próprio show. Olha que coisa louca, um dia eu entro lá e tem uma versão de "Cangote", e pensei: será que alguém colocou? Muita gente tem acesso. Liguei para o pessoal e eles falaram "Não. A gente achou que tinha sido você." [Risos], alguém colocou e tá lá. A internet é terra de ninguém...

Mas você se incomoda com isso?
Claro que eu me incomodo com o fato do som estar ruim. Por que o cara colocou isso? Tá horrível, não precisava. Mas tem meu lado transgressor, que eu acho curioso, interessante, meu lado George Orwell. Li o 1984 e eu acho interessante como as coisas acontecem. De repente, o cara entra na minha página, põe o meu som. Ele podia ter posto o som de outra pessoa, poderia ter posto o som dele! [Risos] Mas ele pôs o meu próprio.

É quase uma homenagem?
No fim, é uma homenagem. É curioso, né? Você vê a maneira como o mundo está caminhando, eu olho com respeito. Tem horas que eu me incomodo sim, mas você tem que saber usar.

 

Vai lá:

 

CÉU

Show "Vagarosa"

Show de abertura: Kassin

Após os shows: Festa Pitada

Data: dia 16 de janeiro (sábado)

Local: Circo Voador (Rua dos Arcos, s/n - Centro - tel: 2533 0354)

Horários: 21h (abertura da casa), 22h (Kassin) e 23h (Céu)

Preços: R$ 50,00 (inteira) e R$ 2500 (estudantes e pessoas acima de 60 anos)

Promoção: de 21h até 23h, quem comprar um chopp, ganha dois.

Vendas pela internet: www.ingresso.com.br

Classificação etária: 18 anos (12 a 17 anos somente acompanhado pelos pais)

Capacidade: 2.600 lugares

www.circovoador.com.br

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