Maconha de jardim

por Guilherme Maciel

Há 13 anos, quando pouca gente falava em legalização ou em uso medicinal, William Lantelme criou o Growroom, maior canal em português sobre o cultivo caseiro da cannabis. Vivendo entre o ativismo e a ilegalidade, ele conversou com a gente

Em 2002, quando Fernando Henrique Cardoso encerrava seu mandato de presidente da República, o carioca William Lantelme Filho não estava nem aí para política. Vivendo na Alemanha, onde estudava design e fazia free-lances, ele cultivava o próprio fumo. E teve a ideia de tocar um projeto pessoal: o Growroom, um fórum para discutir as melhores práticas de cultivo de maconha –em uma época em que falar sobre a erva“era um tabu muito grande”. William não imaginava que, por causa do site, conheceria os principais ativistas do mundo e seria citado até no Congresso Nacional. Também não sabia que iria romper com a família, ganhar inimigos e ser preso.

Hoje o Growroom tem de 60 mil usuários que discutem o cultivo caseiro – além de descriminalização, uso medicinal, projetos de lei ou qualquer outro tema relacionado à cultura cannabica. Há coisas engraçadas também: estão lá, por exemplo, os vídeos do Portal Cut com ex-policiais e vovós fumando maconha pela primeira vez. 

Ao longo dessa jornada, William se tornou um dos principais ativistas da legalização da cannabis no Brasil. Foi um dos mentores da proliferação de Marchas da Maconha país afora, promoveu a Copa Growroom (versão brasileira da “cannabis cup”, que acontece na Holanda), organiza comissões para discutir legalização no Senado e colaborou com o projeto do deputado Jean Wyllys que altera a Lei 11.343/2006 e regulamenta a comercialização, o cultivo caseiro e o consumo medicinal e recreativo da maconha. Pelo mundo, William participou de conferências como a Reform Conferency, da Drug Policy Alliance – organização criada por Ethan Nadelman, professor de política da Universidade de Princeton –foi jurado de “copas” na Argentina e no Uruguai e esteve em plantações em território das FARC, na Colômbia. “Não tenho vergonha de sair na rua e militar pela maconha. Amo o que faço”, reforça.

Preso por distribuir panfletos da primeira Marcha da Maconha no Rio de Janeiro, no dia 20 de abril de 2008, já foi denunciado por tráfico e por tráfico privilegiado – que reduz as penas em dois terços, desde que o réu seja primário e não faça do tráfico um meio de vida – e coleciona desafetos que, como ele diz, “é melhor deixar quieto”. Em geral avesso a entrevistas, ele teve que mudar diante do tamanho que o Growroom ganhou dos movimentos de legalização pelo mundo. William acredita que agora é hora de falar. Desde 15 de junho de 2011, quando o Supremo Tribunal Federal julgou, em unanimidade, que as manifestações pela legalização – as Marchas da Maconha, que proliferaram pelo Brasil – configuram liberdade de expressão e não apologia às drogas, a discussão ganhou ainda mais força e é preciso dar a cara a tapa.“A legalização afeta a vida de muita gente, em todos os níveis da sociedade. Temos que discutir mesmo, não importa o preconceito que eu venha a sofrer”, diz. 

Trip: Você se considera um empreendedor, um ativista ou um relações públicas da cannabis?

William Lantelme Filho: Em primeiro lugar, eu amo essa planta. Ela me completa de diversas formas, é meu combustível, minha diversão, minha forma de ter mais contato espiritual. Fazendo o que eu faço, sinto que não tô na Terra a passeio. Estou fazendo uma coisa boa. 

Como é viver nessa linha tênue entre legalidade e ilegalidade da cannabis no Brasil?

Acho que a gente acabou com essa área tênue em 2011, quando o Supremo Tribunal Federal votou a favor da liberdade de expressão das marchas. Porque antes, tudo o que se falava em relação à maconha era considerado apologia ao crime. Com essa vitória, ficou tudo mais aberto. É permitido falar no assunto. Com isso, a jornada do Growroom saiu do virtual e ganhou o mundo real. Hoje tem, por exemplo, uma comunidade de advogados que ajuda os cultivadores presos e vai ao Senado discutir legalização nas Comissões. O Jean Wyllys, quando protocolou o projeto de legalização, agradeceu o Growroom publicamente. Eu nunca fui de dar muito as caras, fico mais nos bastidores montando uma estrutura para o ativismo. 

Como começou o Growroom?

Estava estudando design em Colônia, na Alemanha, em 2002, e fazendo uns freelas para me manter. Estava cansado de ter clientes e chefes reclamando do meu trabalho e comecei a bolar um projeto que não tivesse que ter a aprovação de ninguém. Na época, eu estava cultivando para consumo próprio e era muito difícil encontrar informações. Ninguém queria falar que cultivava, porque era ilegal.

Ainda é ilegal cultivar.

Sim, hoje ainda é ilegal, mas é muito mais aberto. Há 13 anos, não tinha Fernando Henrique [que entrou no debate sobre legalização com a Comissão Global de Políticas sobre Drogas], não tinha Tapa na Pantera [vídeo que se tornou hit no youtube], nada disso. Era muito mais difícil. Quando o Growroom nasceu, virou um espaço de convivência entre cultivadores do Brasil e Portugal. A pessoa se inscrevia com um nickname e discutia como cultivar e se auto abastecer. E era tudo o que eu precisava na época! Não foi uma coisa que eu planejei, nem pensava em ser ativista.

 

Quais são as principais bandeiras do Growroom?

O cultivo caseiro, o cultivo para uso medicinal, o ativismo e, consequentemente, o fim da proibição. Eu acho que a cada dia damos um passinho, seja no Brasil, seja no Uruguai... Porto Rico acaba de legalizar o uso medicinal. Esses passinhos vão alimentando e deixando a chama acesa.

O quanto essa chama está de fato acesa no Brasil?

Em relação à cannabis, nossa política é a pior possível. O problema começa na lei antidrogas (11.343/2006), que fala em pequenas quantidades, mas não especifica quanto. Então, vai depender da interpretação do delegado. Cultivadores presos já foram acusados de portar 15 quilos, porque a perícia pesa a planta com vaso e tudo. E aí, aquela pessoa que tem um pé, que dá uma quantidade mínima, é indiciada por quilos de substância. Isso é falta de informação ou completa má intenção. Essas pessoas que querem se dissociar do tráfico, justamente para não fazer parte do ciclo e do mercado ilegal, acabam acusadas daquilo de que elas não querem participar.

Qual é o caminho para a legalização da cannabis no Brasil?

O não caminho da legalização é, com certeza, o Congresso. Se alguma coisa for mudar no Brasil, vai mudar pela questão da cannabis medicinal ou via STF, com a votação da inconstitucionalidade da lei antidrogas, que tá parada há anos na mesa deles. Ou se houver algum movimento da ONU. 

Em que lugares do mundo o Brasil poderia se inspirar para formular sua política?

O Colorado com certeza é o mais próximo do mundo ideal: lá é possível comprar como um cigarro ou uma cerveja. O uso recreativo é legalizado. O Colorado hoje consegue arrecadar muitos impostos e os produtores estão felizes em pagá-los. Aliás, querem pagar cada vez mais impostos e ver essa economia crescer cada vez mais. Todo mundo ganha, inclusive o estado, que recebe dinheiro para construir hospitais e investir em segurança pública – em vez de proibir as pessoas de usar uma substância que elas querem usar. O Uruguai está começando, mas a questão de venda mesmo, como acontece no Colorado, ainda não entrou em vigor. Por outro lado, os clubes de cultivo caseiro estão a mil por hora. É um outro modelo muito bom.

E a Marcha da Maconha?

Enquanto Growroom, eu apoio as marchas, posto bastante coisa, porque elas ajudam a promover o debate e isso é sempre bom. Mas, pessoalmente, discordo um pouco do rumo que elas tomaram. Hoje em dia a marcha fala de tudo, abriu espaço para bandeiras diversas. Há inclusive palanques políticos. Pô, cada pauta no seu lugar! Temos outros 364 por dias do ano para fazer ativismo. A marcha é um evento político de comemoração, mas a última coisa que nego fala lá é sobre maconha. Não vou mais à Marcha no Rio e tô pensando se vou na de São Paulo. 

Se amanhã legalizassem a maconha no Brasil, o que você faria?

Em primeiro lugar, enrolaria uma bomba [risos]. Queria me dedicar à cannabis medicinal, estudar isso, a planta mesmo. Por causa de anos de proibição, a planta é pouco conhecida e pesquisada. A cannabis tem mais de 60 canabinoides e a gente está começando a conhecer bem dois deles: o CBD e o THC. É muito importante  desmistificar mais ainda o tanto de benefício que essa planta pode trazer. Hoje em dia você vê vários estudos no Colorado sobre extração de terpenos, que são as essências, aromas que têm efeitos terapêuticos. 

O que a sua família acha do seu ativismo?

Cara... Eu não tenho muito família... Meu pai já faleceu. E parei de falar com a minha irmã por causa do Growroom. Ela nunca acreditou muito, achou que eu ia me meter em roubada. Como minha mãe foi morar com ela, não falo com as duas faz tempo. 

E como é a sua rotina? Trabalha com o quê? 

Eu sou designer freelancer e trabalho também para o Growroom, desenvolvendo o site, pensando com outros colaboradores para trazer informação nova, traduzir vídeos etc. Muitas vezes, o meu tempo como ativista é maior do que meu tempo como designer, o que é um problema, porque não ganho dinheiro como ativista. Tem cara do próprio movimento que me vê viajando e diz que eu tô virando capitalista, ganhando dinheiro em cima da causa. Mas eu ganho essas viagens, sou convidado. Bem que eu queria ganhar rios de dinheiro só fazendo o que eu gosto! Imagina?

Veja na linha do tempo abaixo
Willian, as drogas, as políticas e o mundo nesses 13 anos de Growroom

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