Acadêmicos da calistenia

O retorno da calistenia evidencia exercícios mais básicos e a vontade de sair da rotina da malhação

Entre em uma sessão de calistenia clássica e, ao som de um piano ao vivo, se desenrolarão à sua frente: sequências de alongamentos, abdominais, flexões, polichinelos e outros exercícios maquinais que mais parecem saídos de uma aula de educação física da época do colégio. Isso tudo (menos o piano) continua sendo importante na calistenia moderna (ou street workout). Mas bastam alguns minutos de treino na nova modalidade para entender que estamos diante de outra coisa. Nas barras, os movimentos são praticamente acrobáticos; os corpos giram, ficam suspensos de formas extremas.

Foi um desses movimentos impressionantes, a chamada "bandeira humana" (em que o praticante sustenta o próprio corpo esticado na horizontal apenas com as mãos na barra, como um bandeira), que inspirou Luiz Otávio Mesquita, de 21 anos. "Eu descobri a calistenia vendo vídeos na internet. Comecei a tentar a bandeira humana e percebi que era muito difícil", conta ele, que há pouco mais de um ano criou um grupo dedicado à prática, o Calistenia Brasil. "Tentei procurar informações a respeito no Brasil e não achei nada. Então pensei: vou aprender e tentar ensinar o pessoal."

Exercícios virais
Descobrir o esporte no YouTube é um história recorrente entre os jovens brasileiros praticantes da calistenia. Alguns vídeos têm visualizações na casa dos milhões, como o do campeonato mundial de calistenia de 2014, em Moscou. (Mesquita foi o primeiro brasileiro a participar do campeonato, em sua edição mais recente, depois de apenas oito meses treinando.) Há uma filmagem de treinos na República Tcheca com 4,6 milhões de visualizações. O vídeo Superhuman Bodyweight Workout Domination, do atleta Frank Medrano, tem mais de 27 milhões. (Tantos nomes podem até confundir o não iniciado, mas o conceito, seja calistenia, street workout ou body workout, é o mesmo.)

Como diversos outros sistemas de ginástica, a calistenia foi criada no século 19. Tem origem na ginástica sueca e foi apresentada, nos Estados Unidos, como uma forma de exercícios para mulheres, antes de ser introduzido nas escolas. A palavra vem do grego antigo, kálos, que significa beleza, e sthénos, força. "A calistenia consiste na execução de exercícios que utilizam o peso corporal como resistência", explica Cauê La Scala Teixeira, mestre em ciências da saúde e autor do livro Musculação funcional (Phorte Editora). "Dessa forma, o fortalecimento muscular é o ponto chave. Variando os exercícios, as angulações, o volume e a intensidade, consegue-se trabalhar os principais grupos musculares do corpo."

A última moda
O American College of Sports Medicine (ACSM), a partir de uma pesquisa com mais de 3.400 profissionais de saúde e condicionamento físico de todo o mundo, inclusive do Brasil, colocou o body weight training, ou treinamento com o peso corporal, em primeiro lugar na lista das tendências fitness para 2015. "O body weight training usa o mínimo de equipamentos, isso o torna muito acessível", afirma o relatório da ACSM. "Essa tendência permite que as pessoas voltem ao básico nos exercícios."

A "volta ao básico" também pode ser vista em outras práticas recentes que fizeram sucesso, como musculação funcional e crossfit. "Os avanços tecnológicos e outras características da sociedade moderna contribuem para que os seres humanos fiquem mais tempo parados", explica Teixeira. "Isso leva ao 'analfabetismo motor', a incapacidade de realizar movimentos básicos e naturais com eficiência e segurança. Assim, antigas formas de se exercitar estão recuperando espaço, pois se mostram eficientes em recuperar alguns dos nossos padrões básicos de movimento."

Olhe para o céu
A calistenia, em especial, conta ainda com a vantagem de poder ser praticada em qualquer lugar. Treinar ao ar livre em um parque, e não no ambiente fechado de uma academia, é um diferencial e tanto para muita gente. "O pessoal cansou de treinamentos fechados. A calistenia é uma forma gratuita de ter uma rotina de treino, cuidar do corpo, ter consciência corporal", diz Mesquita. "Você não precisa de um local específico para treinar, vai praticar em qualquer local, seja num hotel, na praia, em casa."

E apesar do viés individualista, os adeptos do street workout costumam se organizar em grupos, um contraste que chamou a atenção de Pedro Garcia, de 18 anos. "É um esporte individual, mas ao mesmo tempo tá todo mundo aqui se ajudando", afirma. Chrystiane Simoes, de 34 anos, também destaca a interação como um ponto positivo. "Academia tem um clima sério, no parque todo mundo é amigo", diz. "Quando alguém faz um movimento diferente, uma coisa nova, todo mundo vibra junto."

Esporte de equipe
Garcia e Simoes fazem parte do Calistenia Brasil e se encontram aos domingos no Parque do Ibirapuera, em São Paulo. A equipe é afiliada à World Street Workout and Calisthenics Federation, que foi fundada em 2011 e tem sede em Riga, capital da Letônia. Um outro grupo, World Calisthenics Organization, foi criado em 2012 por americanos, e ressalta a geografia do novo esporte: os Estados Unidos e o Leste Europeu são os principais polos de street workout do planeta.

O Brasil pode até ser o próximo, a julgar pela quantidade de praticantes que surgiram nos últimos meses. O Calistenia Brasil já lista em seu site mais de 40 outros grupos espalhados por todo o país, incluindo Brasília, Belo Horizonte, Rio de Janeiro, Florianópolis e algumas cidades mais inusitadas, como Caruaru, em Pernambuco, e Cascavel, no Paraná. "Como é um esporte novo, ainda estamos naquilo de 'será que vai pegar?', mas a gente está tentando fazer de tudo para que pegue", afirma Garcia. Com o lago do Parque do Ibirapuera a poucos passos, equilibrando-se nas barras, completa: "Sem falar que estar no ambiente fechado da academia e estar aqui, ao ar livre, não tem comparação", diz. Se depender dos novos calistênicos, as ruas são para malhar.

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