É mole ou quer mais?

Marcelo Adnet, rei das piadas de improviso, fala sério e confessa que quer ser político

Brasileiros e brasileiras! A atual conjuntura moral de nossas instituições políticas retumba a indignação nos corações trabalhadores de nossa varonil nação. Ante a escalafobética derrocada da representação legislativa, eis que surge um homem capaz de refundar a estatura republicana das casas democráticas. Minha gente! Em tempos de política risível, apenas um comediante olha o problema de frente. Em face a doutores de magnânimo descaramento, um honesto e farsante imitador trará de volta o altruísmo ao poder. Na hora do voto, assuma que hoje a figura do homem público, como nunca na história desse país, tornou-se comédia. E eleja Marcelo Adnet como seu representante.

OK, a campanha acima é prematura, mas tem um fundo de verdade. Aos 28 anos, o mais promissor humorista brasileiro não se acanha em dizer, a sério, que o saldo de sua verborrágica e hilariante popularidade pode ser uma candidatura política. Pode soar absurdo para quem vê diariamente sua cara de moleque no 15 minutos da MTV, metralhando de bermuda e camiseta piadas e trocadilhos, enxugando suor do buço ao lado de um amigo chamado Kiabbo, que toca violão e veste uma tosca máscara de animal.

Mas de palhaço esse clown não tem nada. Aos 8 anos de idade, as brigas que o pequenino Adnet arrumava na escola tinham a ver com o segundo turno da eleição presidencial de 1989. Antes de ter pelos no corpo nosso entrevistado passava a noite em claro antes do dia do pleito. Pediu à mãe para ir a um colégio mais difícil, gostava mais da companhia de velhos e adultos do que dos coleguinhas. Treinava xadrez, tinha loucura por estrelas e planetas, estudava russo por conta própria e adorava ficar em casa na segurança de seus livros e manias. Esse “não pertencimento” a qualquer rótulo ou estereótipo deu a ele, segundo sua própria teoria, “um olhar de fora para reparar nos detalhes. Que pode ser muito engraçado.”. E hoje, por trás de seus torrenciais chistes, Marcelo tem uma clara intenção política. Explicitar o óbvio ridículo da vida pública e privada e, passo a passo, trazer mais luz às calejadas cabeças dos eleitores e cidadãos.

Se você não é carioca, são grandes as chances de que o YouTube tenha lhe apresentado Marcelo Adnet. Uma viral imitação de José Wilker tornou-se sucesso imediato. Pode ter sido a exposição que faltava para dar solidez a sua fragmentada e diversa carreira, então quase restrita ao Rio de Janeiro, que começou já sob aplausos em um teatro. Sem nunca ter pensado em ser ator, Adnet, aos 22 anos, topou o convite de um amigo para subir em um palco pequeno e improvisar comédia. Assim, sem mais nem menos, descobriu que suas músicas humorísticas e suas piadas ágeis poderiam fazer rir plateias muito maiores do que as rodinhas de violão da PUC carioca, onde Marcelo já carregava uma pequena fama de engraçado. Na primeira noite da peça, diante das gargalhadas alheias, o jornalista em formação, astrônomo frustrado, enxadrista amador e junkie político descobriu seu caminho. Virou comediante.

A peça em questão, Z.É., tornou-se rapidamente sucesso de crítica e público na cidade. E Adnet colheu os frutos. Fez mais dez participações em novelas e séries da Globo, seis longas-metragens, incluindo um da Xuxa e o recente A mulher invisível, ganhou um papel na série Mandrake da HBO e bons cachês em campanhas publicitárias. Mas, depois da epidêmica imitação de José Wilker, a MTV contratou o rapaz para estrear em março de 2008 um programa só seu, basicamente uma improvisação de 15 min, na qual Adnet faz e diz o que quer sobre um tema X. De lá pra cá ganhou outro humorístico na emissora, dessa vez com maior elenco e baseado em esquetes, o Furfles. Ali, Marcelo contracena com a namorada, Dani Calabresa, com quem também divide o espetáculo Comédia ao vivo. Adnet aproveita o assunto e desmente o boato de que vai se casar em breve, mas esclarece que a relação com Dani vai muito bem, obrigado.

Pegar Adnet parado para fazer esta entrevista foi difícil. Quase não acontece por completa falta de agenda do nosso entrevistado. Quinze minutos podem parecer pouco tempo para um programa de TV, mas a rotina fora do ar de Marcelo desafia as 24 horas disponíveis a cada dia. A frase “Minha casa é uma van” resume o entra e sai a que é submetido todo santo dia entre aeroportos e compromissos. MTV em São Paulo, peça no Rio, publicidade no Sul, apresentação de congressos e eventos particulares, reuniões para redigir, ensaiar, filmar longas, gravar locuções e ensaios para ser o MC do VMB deste ano --a premiação da MTV brasileira, que acontece agora no dia primeiro de outubro. Nas horas vagas dorme – e vê a mãe. Foi numa dessas raras visitas maternas que sentamos para três horas de conversa no apartamento onde morava, no Humaitá, ao pé do Cristo Redentor.

Marcelo fala rápido, e fala muito. Sabe de sua verborragia assim como entende muito bem em que ponto está na vida. Não para quieto na cadeira enquanto fala, mas tem frieza para dizer “nãos” estratégicos na construção de seu objetivo declarado: “Uma carreira sólida”. Aos 28 anos e no ponto mais alto de sua trajetória profissional até hoje, está pegando mais leve do que nunca nas farras e noitadas. E, de 15 em 15 min de fama, entre uma piada e uma imitação, vai colocando de pé um projeto difuso e certeiro. Que um dia, você, caro cidadão e eleitor, pode assinar embaixo. Fazendo desse sudoríparo e hilário rapaz a vossa excelência. Marcelo Adnet.

“Com 8 anos de idade eu fiquei louco por política. briguei com meus amiguinhos da escola no segundo turno. eles eram Collor, eu era Lula”

Você sempre foi o piadista da turma?
Eu era o bem-humorado. Nunca fui o piadista, pasteludo, aquele que dá apelido pros outros. Acho isso de mau gosto, sempre tive pudor de fazer esse tipo de coisa. Mas sempre fui muito irônico, sarcástico. Gostava de usar a crítica no humor, e humor e crítica caminham muito bem juntos. Sempre gostei de fazer isso no dia a dia, seja com o professor na faculdade, seja com a atitude de alguém.

No seu programa você não apavora com alguém específico nem com estereótipos. Você se policia ou isso é natural?
Não me policio, é natural. Porque entre amigos, entre quatro paredes, você fala qualquer merda. Na televisão é muito difícil. Tem um lado meu que falaria qualquer merda na televisão, e eventualmente eu falo, mas é muito complicado, você tem que pisar em ovos em certos campos. Por exemplo: no Brasil, temos liberdade pra falar de política à vontade, mas se falar de futebol pode acabar em morte. Você tem mais permissão pra falar mal do Sarney do que do Flamengo. Mas, mais do que esses campos minados, mais do que se policiar na hora de falar dos gays, dos negros, de religião, de judeus e muçulmanos, existe outra coisa que é o respeito. Você fazer humor citando nomes é complicado. Pode ofender, e acho que eu devo a qualquer pessoa um mínimo de respeito. Então quando eu vejo a galera do Pânico, por exemplo, sei que não conseguiria fazer aquele trabalho. Às vezes morro de rir com algumas coisas deles, mas não conseguiria cumprir aquele papel, não é o meu natural.

 

Teve alguém que ficou puto mesmo com alguma piada que você fez?
[Pausa] Não gosto de falar nisso. Mas uma vez um rapper de São Paulo veio falar comigo, dizendo que os Racionais MC’s queriam meu telefone porque não gostaram de algo que eu fiz. Dei o número, mas ninguém me ligou. Compreendo, porque chega no ouvido deles que um moleque folgado do Rio tava imitando eles, blablablá. Só que, na real, imito todo mundo. Mas parei de imitar os Racionais. Se o cara se estressou, não vou fazer mais. Se o [José] Wilker virar pra mim e falar “acho isso um desrespeito” [imitando Wilker] vou parar também. Porque eles são eles, têm lá a teoria deles, o gueto deles. E eu tenho que ficar na minha, é a velha história do bom senso.

Mas você já fazia imitações na infância, algo assim?
Não. fui uma criança diferente. Meu pai é músico e convivi com a música dentro de casa. Gostava de cantar samba, essas coisas. Também adorava política. Em 1989 fiquei louco com o Mario Covas, era tipo um vovô querido. Fui numa passeata, ele me deu um beijo, fiquei felicíssimo. Eu desenhava o Covas, o Lula. Quando teve o segundo turno eu briguei com os amiguinhos na escola porque eu era Lula e eles eram Collor.

Mas era um moleque antissocial?
Não antissocial, diferente mesmo. Lembro que tava em casa um dia com uma das minhas manias, a dos planetas e estrelas, de ficar observando o céu, e ouvi uma galera na rua. Tinha uma boate ali perto, e os jovens da minha idade passavam fazendo “uhuuu”, e eu não sabia o que era aquilo. Mas não tava sofrendo, só tava em outra.

Então era bom aluno?
Era. Na oitava série até pedi para a minha mãe me colocar em um colégio mais difícil. Sempre fui mais ligado em questões intelectuais, e estavam começando a me apavorar na escola. Aí fui estudar no Santo Agostinho, que era mais difícil, porrada mesmo. E percebi que também não era a minha. Não ia usar lições de química pra nada na minha vida. No último ano pensei: “Vou ser astrônomo?”. Não, loucura demais. “Vou ser economista?” Não! “Vou fazer comunicação social?” Claro! Aí passei na PUC e foi ótimo.

Ótimo em que sentido?
Bom, logo no primeiro dia de aula conheci meu melhor amigo, Gustavinho. E conheci também altas figuras clássicas da PUC, me dava bem com todo mundo. Comecei a ver aquela galera da rua, da qual eu não participava. Ao mesmo tempo me dava bem com os hippies, com os engravatados, com os professores, com os nerds excluídos e ainda com a galera que joga bola, da malhação, da pegação… Porra, que maravilha não pertencer a um estereótipo e ao mesmo tempo participar deles todos! Poderia até sofrer uma crise de identidade, “quem sou eu?”, mas no fundo. porra nenhuma! Era uma delícia.

E foi na faculdade que você começou com a comédia?
Foi. Nesse tempo eu descobri que era um cara que fazia a galera rir. Não sei, às vezes também é teorizar demais. mas criando uma teoria, se você não veste nenhuma carapuça, de nenhuma tribo, tem um olhar de fora. E isso é muito engraçado. Sempre fui muito plural e isso faz parte do meu humor hoje. Ao mesmo tempo foi na faculdade onde comecei a me entender e me descobrir mais. Até o fim do curso de jornalismo eu não sabia o que queria, e o Fernando [Caruso, amigo de adolescência] chegou pra mim e disse: “Você não toparia fazer uma peça de improvisação?”. Foi em agosto de 2003, aconteceu no Café Cultural, um teatro de 60 lugares. Eu nunca tinha subido num palco.

“Quando a cara de pau se confirmou no palco, passei a acreditar no que eu estava fazendo. E, no improviso, quanto mais se acredita mais dá certo”

Nunca?
Pensando bem eu tinha subido em um palco no Fórum Social Mundial. Na faculdade eu já escrevia muita música engraçada, e fiz ali na hora o rap do PM. Uma banda de amigos estava tocando e me chamou para cantar. Aí eu vi pela primeira vez uma galera que eu não conhecia – do Sul, chileno, uruguaio, paulista, goiano – respondendo uma música que eu tinha improvisado. Fiz a letra de sacanagem e de repente tinha mais de mil pessoas repetindo. E não sou ninguém, não sou famoso, aquilo foi do caralho. E quando subi no palco depois, no Café Cultural, foi do caralho também. Me senti tão expressivo, consegui unir a música, a crítica, as tribos, tirar sarro.

E foi fácil subir no palco pela primeira vez para improvisar?

Foi fácil porque eu não me cobrei, não tinha nada a perder. Fácil nesse sentido, mas é dificílimo improvisar, né? Mas procuro sempre não sofrer antes da hora.

E gostaram do seu trabalho de cara?
A plateia me recebeu muito bem. Era, “que legal, espontâneo esse menino novo”. Aí a gente foi pro Planetário, que tinha 120 lugares, depois pro shopping da Gávea, que tem 400 e poucos. Rapidamente comecei a conhecer atores e diretores diferentes, porque o espetáculo Z.É. sempre tinha um convidado pra dirigir e um pra atuar. Então é uma aula, uma formação alternativa. Estreamos como uma coisa nova em 2003 e levamos o prêmio Shell em 2004.

E você gostou desse negócio de ter uma plateia, gente batendo palma todo dia?
É. o ator no início é um desesperado. Faz papel de nuvem em peça infantil, não interessa. Tem uma pressão filha da puta na profissão porque o funil é muito, muito pequeno. E tive muita sorte porque meu caminho foi outro. Nunca fiz book, aquelas fotos ridículas, sabe? [Imita as poses.] O que me botou pra frente foi o tesão de fazer uma peça improvisada pra 60 pessoas, e as coisas acontecerem numa naturalidade impressionante. Mas mesmo com 24, 25 anos você se pergunta: cadê minha perspectiva de vida? Então aparecer é uma necessidade da profissão. Não tem jeito.

Mas ego e vaidade são parte da receita para você ser tão bom em improvisar? Tem que ter muita segurança ali.
No meu caso era cara de pau. As pessoas na faculdade perguntavam “o Marcelo é veado?”. Nem um pouco, mas eu era um cara que abraçava, dava beijo nos amigos com a maior segurança, porque tenho carinho por eles e foda-se. Então no meu caso a segurança era a cara de pau. E, quando a cara de pau se confirmou no palco como algo positivo, passei a acreditar no que eu tava fazendo. E, no improviso, quanto mais você acredita, mais dá certo. A segurança e a cara de pau são uma técnica, uma arma.

E tem que brigar com teu ego pra não começar a se sentir foda demais?
Um pouquinho, tenho que brigar sim, normal. Mas, engraçado, confio no meu ego, porque não me realizo muito com elogios. Ser valorizado profissionalmente, ter voz, ter alguém pra me ouvir, tudo isso é muito bom. Mas tenho uma relação com o ego, a gente é amigo. Eu jamais diria que sou humilde. E não enlouqueci com isso.

Mas você já se pegou sendo babaca por conta disso?
Já, claro… E já me arrependi, pedi desculpa. Ou nem tive oportunidade de me desculpar. Mas é isso. Não posso parar pra pensar muito, porque a vida segue e não dá para parar.

E hoje você sente a fama na rua? Muita gente te aborda?
Depende, porque a MTV tem uma coisa de nicho. Mas tem uma dualidade aí, audiência é pequena, mas ao mesmo tempo não é. Repercute muito, e a internet mudou tudo. E depende do lugar aonde vou. Num shopping center, por exemplo, é um lugar onde vou ser muito mais abordado do que no avião. E em São Paulo me abordam mais do que no Rio. Mas existe uma identificação comigo que é diferente, por exemplo, de um ator de novela. Porque ali no ar sou eu mesmo, uso meu nome, meu texto, minhas ideias. Então é tudo diferente. É um contato mais tranquilo e íntimo do que aquela coisa que algumas pessoas têm com celebridades.

Antes de ir pra MTV você fez dez participações na Globo. Os caras nunca quiseram te contratar?
Não, contratar não. Minha referência era o teatro, o espetáculo Z.É. me deu visibilidade. A história foi se construindo, a Globo me chamou, fiz participação em A grande família, A diarista, Sob nova direção e Malhação. Mas o meu potencial 100% acontece quando eu participo do conteúdo, quando posso ser autor. Então eu cumpria meu papel, mas não era brilhante. E o que mais me deu fama no fim das contas foi um comercial da Oi em que eu tirava onda como um cara de pochete. Isso acabou me dando um papel no Mandrake, da HBO. Foi justamente o Mandrake que me fez sair da Globo, não dava pra conciliar.

Como foi ganhar um programa só seu?
Foi um trunfo muito grande estar na MTV e entrar lá com uma abordagem zero MTV. Um carioca dentro de um quarto, fazendo um tipo diferente de humor. e o programa deu muito certo. Me lembro do Zico Góes, que era diretor na época, falando na sala dele: “Marcelo, primeiro dia deu 0.14 de audiência, segundo 0.3, terceiro 0.5, o quarto 0.64”. Eu falei: “Isso é muito ou pouco?”. Ele falou: “0.14 é pouco, mas 0.64 é muito”. Não é muito, mas pra uma primeira semana aquilo foi muito! E fico orgulhoso de ter cagado para padrões e feito uma coisa muito autoral.

Você falou sobre a internet, como isso muda a sua carreira?
O horário do programa não tem mais importância, mas sim o programa em si. Porque você pode escolher o que quer ver a qualquer momento. E, por outro lado, é um prato cheio para quem quer dizer que você é chato, que não presta. Se torna alvo para o julgamento de milhões de pessoas. Tenho amigo na MTV que fala, “pô, entrei no Orkut e falaram isso de mim…”. Não dá pra entrar nessa, mas é legal, por exemplo, jogar seu nome no YouTube e ver que saiu, sei lá, um cara dizendo “Marcelo Adnet deu a bunda”, qualquer besteira assim.

A gente conversou com umas pessoas antes da entrevista, e há uma percepção de que você tem uma consciência grande do que fazer com sua carreira. Você realmente tem um plano, sabe aonde quer chegar?
Uma vez, no aeroporto, resolvi comprar um desses livros de autoajuda, alguma coisa dessas de “tenha sucesso”. Comprei achando uma babaquice, mas tinha que esperar o avião e resolvi ler, foda-se. Li 14 páginas das 300. Tinha uma pergunta genial no início, que você deveria responder antes de qualquer coisa: “Qual é o seu objetivo?”. E eu vi que não sabia! É sexo? É pegar mulher? É dinheiro? Ser rico? Ser presidente da república? Aí eu falei, não. Quero ter uma carreira sólida. Descobri que sempre foi esse o plano, mas não sabia colocar em palavras. E carreira sólida é exatamente isso, planejar os passos e dizer alguns nãos importantíssimos, estratégicos. Não tendo pressa, devagar, dando um passo de cada vez.

Mas você sabe qual o próximo passo, qual a hora de sair da MTV, por exemplo?
O contrato é até o fim do ano. Mas isso não está definido porque estou feliz por lá. Meu planejamento é mais intuitivo, no momento do sim ou do não.

Mas e financeiramente, você está satisfeito na MTV?
Lá, parte do salário é um risco. Se tiver o merchandising, legal. Se não tiver, que saco. Mas você vai levando. Quanto mais audiência tem, melhor, é natural. Dá uma impressão de acionista, sabe?

"O Pânico e o programa do Supla têm mulheres gostosas dançando, isso é ruim, machista pra caralho, retrógrado. Desvaloriza a mulher, é uma sacanagem"

Você iria para o Zorra Total?
Aí você tá me arranjando um problemaço… Hoje não iria porque eu seria completamente incongruente com tudo que construí. São duas coisas completamente opostas. Tenho grandes amigos no Zorra Total, na redação, no elenco, mas não escondo que não é do meu gosto, não acho graça. Mas não é pra mim ou pra você, é outro tipo de público. É o contrário do que eu faço, que é o chamado humor inteligente, se bem que isso não existe muito.

Falando então em “humor inteligente”, por que a comédia brasileira é tão mofada, ainda tem o mesmo esquema de bordão, duplo sentido etc.?
É difícil falar de instituições. “o humor hoje”, “a juventude de hoje”. Eu fico imaginando a cena, quando meu filho for avô, ele vai chegar e dizer: “Na minha época ouvíamos Mr. Catra, e não essa porcaria que você ouve hoje”.

Mas Se você pegar a tradição de comédia americana, de stand up, por exemplo, tem que ter mais inteligência para segurar uma carreira. Não dá para subir no palco e escapar dizendo “Calma, Cocada”.
[Risos] Exatamente por isso eu acho que estou trazendo uma perspectiva que é outríssima. Eu não poderia viver de bordão. Nem eu nem meu público aceitaria.

Mas te incomoda o nível geral do humor na TV brasileira?
Algumas coisas. tipo imitar um veado, sabe? Como se isso fosse engraçado por si só. Ou um cara assoviando para uma mulher gostosa. Isso é piada. O Pânico, o programa do Supla têm mulheres gostosas dançando e eu acho isso ruim. Acho machista pra caralho, errado, retrógrado. Desvaloriza a mulher. É uma sacanagem o que a mulher tem que fazer pra ter sucesso. Por exemplo a Dani Calabresa, que faz comigo o Comédia ao vivo. Ela sente na pele a diferença de ser uma mulher comediante. Parece que hoje em dia tem que ser gostosa. E acabou. Se é para falar de uma tradição do humor brasileiro, essa é uma tradição.

E você faz algo pra mudar isso deliberadamente?
Acho que fazer programa sem mulher rebolando com biquíni enfiado é educativo. Ou pelo menos não é deseducativo. Minha atuação política nesse caso é ter sinceridade na hora de fazer a piada, com um humor respeitoso, sem desagradar as pessoas. Claro que de repente me vejo depois e falo: “Que merda que eu fiz? Que coisa retrógrada, babaca”. Mas é um momento de confusão mesmo, na TV e na cultura. Parece que o povo está carregando uma nova tendência, mas tenho dificuldade em dizer que a tendência é essa. Não tem como dar nome aos bois. E estar no meio disso, neste momento, é ótimo.

Falando em atuação política na comédia, dá para ser mais direto mesmo, chamar a atenção para assuntos sérios como política institucional?
Claro. Quando eu ironizo, por exemplo, um pastor ignorante, você vê que as coisas se confundem. Várias coisas passam batido, e aí, quando você vê um quadro daquilo com tintas mais carregadas, vê o quão ridículo aquilo é. Esse riso é muito interessante, considero um riso político. O humor crítico educa muito mais do que um programa com o triplo de tempo falando de educação. Como uma vez em que em um programa na praia eu fiz uma cena judeus-palestinos. Os palestinos estavam sentados na praia com cadeira de sol e burca, aí chegava o judeu: “Ô, sai fora, o lugar é meu”. Expulsa todo mundo, senta e diz: “Este lugar tá uma merda, hein? Não vou ficar aqui não”, mas não deixa ninguém sentar. Era deliberadamente política, mas com um monte de humor.

Você é uma pessoa que se preocupa com a política?
Muito. Sempre fui viciado, desde meus 8 anos de idade. Uma das minhas manias era horário eleitoral. Era minha novela, não perdia um. Conhecia todos os candidatos, no dia da eleição eu quase não dormia. Isso quando eu era criança mesmo. Em 1989 eu fazia um monte de cédulas em casa e votava, “Lula, Lula, Collor, Collor, Maluf, anula um, Lula, Collor, Afif”. Mas acredito cada vez mais que a política não é um campo técnico. Certas funções, obviamente, são. Mas um vereador é um cara que tem que conhecer e gostar da cidade dele. Por isso que um dia quero exercer um cargo político.

No duro? Você quer se candidatar?
Quero muito. E qual a minha intenção com a política? Não é ganhar dinheiro, é usar minha energia e minhas convicções e me servir de alguma popularidade pra construir alguma coisa de útil. Porque é um lance que você precisa ter bom senso e caráter. Porque é foda ver o Sarney, sabe? Roubando, sendo desonesto, e eu pensando naquele imposto de renda que eu fiz e fiquei puto de pagar. Por que eu não tô no lugar dele? Infelizmente o pobre no Brasil tá tão alienado que não sabe nem que o cara não representa ele. O país inteiro se matando de trabalhar, pagando imposto pra meia dúzia ter casa de praia com piscina, comer puta, comprar um jatinho e dar umas festinhas. A gente trabalha pra isso!

E conseguiria conviver com políticos no dia a dia?
Só desisto quando disser “vereador, o senhor usou aquela verba de forma indevida” e depois receber uma ligação: “Vou matar sua família”. Então eu desisto, não quero mais ser político, não quero mais brincar. E isso existe, infelizmente. Aqui no Rio, por exemplo, uma criança de 10 anos sabe o que acontece. “Viu o Dado da Vila Cruzeiro? Agora quem tomou a boca é não sei quem. O ADA [Amigos dos Amigos] está tomando não sei onde.” É quase uma novela.

Você já subiu em favelas?
Fui no Santa Marta, pela faculdade, tirar umas fotos. E na Rocinha, de passagem, porque namorava uma menina de São Conrado. Peguei um ônibus errado, que em vez de passar o túnel subia a favela toda. E eu tava com o dinheiro do meu estágio no bolso, o único que eu fiz na vida. Eu era babaca, playboy, fiquei com medinho, no meio do trajeto passou a galera do movimento, de metralhadora. E a galera no ônibus tranquila, nem aí.

E baile funk?
Tinha um amigo que sempre ia a baile e botava pilha. Fui uma vez, mas foi tenso pra cacete, muita gente armada, muita droga, muita polícia lá embaixo. E eu não gosto de ver arma, nem de longe. Aí a quadra tava lotada e eu fui acompanhar uma amiga até o banheiro. De repente “paum parararara pum bumbumbum!”. Resultado, eu me vi em 1 s dentro de uma cabinezinha de banheiro, com dez mulheres, metade chorando. E minha amiga: “Adnet, tô com medo”. E eu queria chorar também, desmunhecar, fazer a louca [risos], mas não, fiz o forte, falei “tá tudo bem”. Aí a gente foi ver, não era tiroteio nenhum. Os traficantes tinham subido no palco e começaram a atirar pra cima. Era uma brincadeira. Mas não teve clima mais, fomos embora.

Foi o mais perto que passou da morte?
Sim. Aí e quando fiz a trilha a pé para subir o Pão de Açúcar. É uma coisa tão estreita que nem dá pra olhar pra trás. Hoje não faria mais. Mesmo.

Falando em trilhas, você era amigo daquele brasileiro que morreu escalando uma montanha na África, não?
Era sim, o Gabriel Buchmann. conheci ele na PUC. Lembro uma vez que eu peguei tudo que eu tinha com 19 anos e comprei um Fiat Uno. Uma semana depois o Gabriel ligou. “Adnet, tenho um sítio em Lumiar, vamos?” Peguei meu carro, fomos pra lá e fizemos uma trilha. A gente se perdeu também, coincidências… O Gabriel fazia economia, eu comunicação, e mesmo assim a gente conseguiu se esbarrar, porque ele era muito open mind. Mas, enfim, a gente começou a perder o contato, comecei a trabalhar muito.

Que coisa. e você acredita em Deus?
Acredito, só que não na forma de nenhuma religião. Mas, engraçado, costumo agradecer antes de comer. Tem uma cafonice nisso, mas acho escroto você achar que só tem ciência e mais nada. Porque, para a ciência existir, alguma coisa fez a molécula estar ali. Então é certa humildade acreditar que existe algo. E acho bonito agradecer antes de comer. Digno. Acredito numa instância superior, algo que dá sentido a tudo isso. Agora rezar, primeira comunhão, isso não.

“O país inteiro paga imposto pra meia dúzia de político ter casa de praia com piscina, comer puta e comprar jatinho”

Você sente que tem alma?
Sinto sim. Mas não sei. Quando estou na natureza fico emocionado, acho que tem uma coisa dentro de mim lembrando “isso é o que você é”. De verdade. Porque é muito difícil essa vida de correria. É do caralho poder trabalhar muito, mas é uma vida muito punk, sua alimentação vai pro caralho, suas noites de sono vão pro caralho, pressão, cabeça, inveja, ego. Então quando vejo uma prainha de areia branca eu sei que é por isso que estou vivo. Sinto a religiosidade nesses momentos.

E isso faz diferença na sua vida hoje?
Olha, o que faz diferença mesmo é ter me forçado a ser uma pessoa positiva. Trabalhar na MTV, fazer anúncio, locução, viajar, fazer teatro. No momento em que você não vê mais sua mãe, não fica mais em casa, perde o contato com os amigos, não dorme, não come, é difícil achar o equilíbrio. E para mim ajuda muito ser um cara positivo e mais comportado. Eu achava cafona ser assim, mas precisei. Aquela história, amanhã tenho que ir pra Floripa sete da manhã, vou sair ou não? Não vou. Estão escrevendo falando mal de você. Vou dar bola e me incomodar? Não vou. Me agarro a coisas boas. Sorrir e dizer bom dia, acordar na hora certa e tomar cafezinho.

Mas, esquecendo os compromissos, você é um cara que gosta de balada, dormir tarde, encher a cara?
Não acordo de ressaca há meses. Na hora é gostoso, mas bebida é uma droga sinistra. Meus piores momentos de vida foram de ressaca. No início da vida em São Paulo, tendo voo às dez pro Rio. mas é aquela coisa, São Paulo, uau, balada, chegar no hotel às cinco, dormir passando mal, acordar enjoado, beber água e achar que vai vomitar. Meu Deus, não quero nem pensar nisso.

E outras substâncias, usou?
Cara, sou bem careta nesse sentido. Cigarro nunca, arde minha garganta. Maconha já experimentei, e acho que é uma droga que merece um tratamento diferente, por exemplo, da cocaína. Eu cheirei uma vez na minha vida. Foi muito ruim e nunca mais senti vontade nem de ver, nem de chegar perto. E as pessoas que eu vejo que são usuárias, os amigos, são pessoas que têm sérios problemas, distúrbio de personalidade, nego se afunda, se deprime, despiroca. E aí, ecstasy, ácido… acho que cada um tem sua reação. Tem gente que consegue, sei lá.

Você tá numa fase que a mulherada chega chegando?
Chega. Mas tô namorando e é bom pra mim, porque se eu estivesse solteiro ia estar acordando na casa de mulher que eu não sei nem quem é às sete da manhã, ia estar querendo muito ir pra boate, me envolver com umas vagabundas que não têm nada a ver, fazer merda de mulherengo, sabe? Melhor não. E tô superfeliz com a Dani [Calabresa], então nem penso nisso.

Mas você já fez muita putaria em fases de solteiro?
Eu sou namorador. Fiquei solteiro pouco tempo e aproveitei. Foi ótimo, muito gostoso. Mas eu tenho uma queda pra união, gosto de uma companheira, que tá comigo, sabe dos meus problemas, eu ligo pra ela e ela pra mim. Se alguma coisa der errado corro pro colo dela e ela corre pro meu.

E é tranquilo trabalhar com a namorada?
Não. Eu até digo pra ela “bom trabalho” na hora H, porque são coisas diferentes. É foda porque trabalhar com arte gera discussão. Então quando um quer impor a ideia, mandar, dá confusão. E, como a gente trabalha muito junto, discute profissionalmente e discorda. Ela acha que tem que ser uma piada e eu acho que tem que ser outra. Mas hoje em dia tô me considerando um vencedor, não por estar fazendo sucesso, mas por estar vivo e sem ficar maluco.

Você não está maluco mesmo?
Acho que estou um pouco maluco sim. Alteradaço, acelerado e meio estressado, um pouco elétrico demais, mas não naquele estágio de uma galera que se droga ou cai no buraco ou que chora e tem depressão. Tenho apenas leves pontinhas de depressão. Mas tudo bem, me seguro numa boa. É a responsabilidade. Tenho que trabalhar muito e no ritmo que está preciso tomar cuidado. Rio, São Paulo, Curitiba, volta pra São Paulo, Rio de novo. Meia-noite, sete da manhã. Envelheci muito nesses dois últimos anos. E longe de mãe, de pai, de família, da cidade, dos amigos, das referências de realidade. Então é uma foda. Acho que está chegando a hora de dar um passinho atrás.

Dar uma desacelerada?
Isso, até pra continuar fazendo tudo. Para saber o que está acontecendo. Porque é fundamental pra um humorista observar. Senão você fica por fora, fica cansado, louco. Perde a graça.

 

Assistentes de fotografia Paula Giolito e Julia Rodrigues

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